sábado, 31 de janeiro de 2009




Meu amor que eu não sei. Amor que eu canto. Amor que eu digo.
Teus braços são a flor do aloendro.
Meu amor por quem parto. Por quem fico. Por quem vivo.
Teus olhos são da cor do sofrimento.

Amor-país.
Quero cantar-te. Como quem diz:

O nosso amor é sangue. É seiva. É sol. É Primavera.
Amor intenso. amor imenso. amor instante.
O nosso amor é uma arma. É uma espera.
O nosso amor é um cavalo alucinante.

O nosso amor é pássaro voando. Mas à toa.
Rasgando o céu azul-coragem de Lisboa.
Amor partindo. Amor sorrindo. Amor doendo.
O nosso amor é como a flor do aloendro.

Deixa-me soltar estas palavras amarradas
para escrever com sangue o nome que inventei.
Romper. Ganhar a voz duma assentada.
Dizer de ti as coisas que eu não sei.
Amor. Amor. Amor. Amor de tudo ou nada.
Amor-verdade. Amor-cidade.
Amor-combate. Amor-abril.
Este amor de liberdade.

(Joaquim Pessoa)

terça-feira, 27 de janeiro de 2009


Rumo

É tempo, companheiro!
Caminhemos ...

Longe, a Terra chama por nós,
e ninguém resiste à voz
Da Terra ...

Nela,
O mesmo sol ardente nos queimou
a mesma lua triste nos acariciou,
e se tu és negro e eu sou branca,
a mesma Terra nos gerou!

Vamos, companheiro ...
É tempo!

Que o meu coração
se abra à mágoa das tuas mágoas
e ao prazer dos teus prazeres
Irmão
Que as minhas mãos brancas se estendam
para estreitar com amor
as tuas longas mãos negras ...
E o meu suor
se junte ao teu suor,
quando rasgarmos os trilhos
de um mundo melhor!

Vamos!
que outro oceano nos inflama.. .
Ouves?
É a Terra que nos chama ...
É tempo, companheiro!
Caminhemos .....

(Alda Lara)

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Não inventes nada
que o mundo não veja
não fujas da verdade
mesmo que seja só tua.

Aprende com as derrotas
a encontrar os caminhos
da virtude que se deseja
e da noção que apazigua.

Vem comemorar
com alegria e entusiasmo
vem ensinar
o que aprendeste na derrocada
entre lutas que venceste a chorar
nas noites de insónias
que o tempo levou.

Vem! Há sempre quem
precise de aprender
há sempre alguém
para reviver…

Não inventes
os mistérios da inveja
não tentes essa mentira nua,
que pela rua corre
escondida que de si morre.

Vem brindar
porque mesmo na derrota
aprendes a ser mais forte, mais feliz
porque entendes
que há mais oportunidades
é a vida quem o diz
nas letras espalhadas pelo teu caminho…

Aprende nas derrotas
a sentir um dia de cada vez
a caminhar nos insólitos da vida
transforma esses pedaços
em força, em altivez
e faz dos teus passos
o olhar de quem aprendeu
de quem nas derrotas cresceu
e continua no seu caminho.

Ensina-me o segredo
em troca deste poema
de letras mortas,
ensina-me a perder o medo
deste dilema
em aprender com as derrotas!

(Paulo Afonso Ramos)

domingo, 25 de janeiro de 2009


Deixa-te estar na minha vida
Como um navio sobre o mar.

Se o vento sopra e rasga as velas
E a noite é gélida e comprida
E a voz ecoa das procelas,
Deixa-te estar na minha vida.

Se erguem as ondas mãos de espuma
Aos céus, em cólera incontida,
E o ar se tolda e cresce a bruma,
Deixa-te estar na minha vida.

À praia, um dia, erma e esquecida,
Hei, com amor, de te levar.
Deixa-te estar na minha vida.
Como um navio sobre o mar.

(João Cabral do Nascimento)

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009


É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos, muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.
(Eugénio de Andrade)

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009


O SILÊNCIO

Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,

e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos

e procuram
nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,

pelo silêncio fascinadas.

(Eugénio de Andrade)

terça-feira, 20 de janeiro de 2009


O mais belo dos mares,
é aquele que ainda não vimos.
A mais linda criança,
ainda não nasceu.
Os nossos dias mais formosos,
ainda não os vivemos.
E o melhor de tudo
que tenho para te dizer,
ainda não te disse:
amo-te... hoje... e sempre...

(Nâzim Hikmet)

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Eu pronuncio teu nome
nas noites escuras,
quando vêm os astros
beber na lua
e dormem nas ramagens
das frondes ocultas.
E eu me sinto oco
de paixão e de música.
Louco relógio que canta
mortas horas antigas.

Eu pronuncio teu nome,
nesta noite escura,
e teu nome me soa
mais distante que nunca.
Mais distante que todas as estrelas
e mais dolente que a mansa chuva.

Amar-te-ei como então
alguma vez? Que culpa
tem meu coração?
Se a névoa se esfuma,
que outra paixão me espera?
Será tranquila e pura?
Se meus dedos pudessem
desfolhar a lua!!

(Garcia Lorca)

sábado, 17 de janeiro de 2009


O MAR


Mar dos meus sonhos infinitos,
Onde tantas vezes adormeci e sonhei…
Onde pintei quadros tão bonitos,
Onde no teu colo me embalei.

Confidente dos meus segredos,
Dos meus amores e ilusões.
Conselheiro dos meus medos,
Remédio das minhas desilusões.

Companheiro nas horas de ansiedade,
Conforto nas dolorosas despedidas.
Música de fundo em momentos de felicidade,
Amigo no amanhecer de noites mal dormidas.

Nas tuas águas navego sem rumo,
Nas agitadas ondas da imaginação…
Minha tristeza esvoaça como fumo
E a tua calma invade o meu coração.

Com imenso azul no horizonte a desaparecer
E grandes mistérios por desvendar…
Com emoção te estou a descrever,
Com nostalgia te admiro com o olhar!

(Dina Rodrigues)

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009


Iremos juntos sozinhos pela areia
Embalados no dia
Colhendo as algas roxas e os corais
Que na praia deixou a maré cheia.

As palavras que disseres e que eu disser
Serão somente as palavras que há nas coisas
Virás comigo desumanamente
Como vêm as ondas com o vento.

O belo dia liso como um linho
Interminável será sem um defeito
Cheio de imagens e conhecimento.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Quando eu nasci

Quando eu nasci,
Ficou tudo como estava.

Nem homens cortaram as veias,
Nem o Sol escureceu,
Nem houve Estrelas a mais …
Somente,
Esquecida das dores,
A minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
Não houve nada de novo
Senão eu.

As nuvens não se espantaram,
Não enlouqueceu ninguém …
P´ra que o dia fosse enorme,
Bastava
Toda a ternura que olhava
Nos olhos de minha Mãe …

(Sebastião da Gama)

domingo, 11 de janeiro de 2009


A casa onde às vezes regresso

A casa onde às vezes regresso é tão distante
da que deixei pela manhã
no mundo
a água tomou o lugar de tudo
reúno baldes, estes vasos guardados
mas chove sem parar há muitos anos

durmo no mar, durmo ao lado de meu pai
uma viagem se deu
entre as mãos e o furor
uma viagem se deu: a noite abate-se fechada
sobre o corpo
tivesse ainda tempo e entregava-te
o coração

(José Tolentino de Mendonça)

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009



Praia


Feliz, quem sabe, o vento. Sem memória,
beijando-me nos lábios, ele abraça
o meu destino às cegas na paisagem.
É sempre nesses instante que regresso
à poalha do céu onde começa
talvez a maldição, talvez o encanto
de invocar-te em silêncio. Porque, eu sei,
entre palavras morre a cor dos sonhos,
o vão pressentimento de estar vivo.

Feliz talvez o vento e no entanto,
arrasta ainda a areia e vagas vozes
na praia ao abandono. A luz da tarde
encobriu-se de névoa, só o mar
ficou perto de mim - agora é simples:
as ondas trazem novo o teu sorriso,
movem o seu abismo nos meus olhos,
mas lágrimas nenhumas vão salvar-me
o corpo, a alma, as cinzas, esta vida.

(Fernando Pinto do Amaral)

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009


Esgotei o meu mal, agora
Queria tudo esquecer, tudo abandonar,
Caminhar pela noite fora
Num barco em pleno mar.

Mergulhar as mãos nas ondas escuras
Até que elas fossem essas mãos
Solitárias e puras
Que eu sonhei ter.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Círculo

Todo o caminho é belo se cumprido.
Ficar no meio é que é perder o sonho.
É deixá-lo apodrecer, no resumido
círculo da angústia e do abandono.

É ir de mãos abertas, mas vazias,
de coração completo, mas chagado.
É ter o sol a arder dentro de nós,
cercado,
por grades infinitas...

Culpa de quem, se fiz o que podia,
na hora dos descantes
e das lidas?

Ah! ninguém diga que foi minha!
Ah! ninguém diga...

Minha, a culpa,
de ter dentro do peito,
tantas vidas!...

(Poesia, Alda Lara, 1954)

terça-feira, 6 de janeiro de 2009


Pedes-me palavras

Podia dizer-te
Que o meu pranto é mar.
Foi dito!
Mas o mar, olhamos, admiramos
Não nasce dentro de mim!
Podia dizer-te
Que a minha solidão
É um quarto escuro e frio
Ou uma torre alta e inacessível.
Foi dito!
Mas o quarto tem uma porta
A torre uma escada
E eu não tenho escada ou porta
Para me evadir do que sinto
Para fugir do que sou.
Podia dizer-te que a revolta
É como a tempestade.
Foi dito!
Mas nenhuma tempestade ruge
Ensurdece ou derruba
Como este grito calado
Esta dor, este medo,
Esta revolta que me consome
Devorando o que resta de mim.
Podia dizer-te
Que o desejo é um vulcão.
Foi dito!
Mas vulcão algum faz tremer, ter fome
Arder a pele, doer o corpo
Ou... sonhar.
Podia dizer-te
Que o amor é como o sol, a lua,
O mar, a tempestade, o vulcão.
Foi dito!
Pedes-me palavras
Mas nenhuma palavra
Descreve o teu nome.
E o teu nome sim
Dito baixinho é amor.
Todas as palavras foram ditas.

Pedes-me palavras.


(Encandescente)


domingo, 4 de janeiro de 2009


A Noite na Ilha



Dormi contigo toda a noite
junto ao mar, na ilha.
Eras doce e selvagem entre o prazer e o sono,
entre o fogo e a água.

Os nossos sonos uniram-se
talvez muito tarde
no alto ou no fundo,
em cima como ramos que um mesmo vento agita,
em baixo como vermelhas raízes que se tocam.

O teu sono separou-se
talvez do meu
e andava à minha procura
pelo mar escuro
como dantes,
quando ainda não existias,
quando sem te avistar
naveguei a teu lado
e os teus olhos buscavam
o que agora
- pão, vinho, amor e cólera -
te dou às mãos cheias,
porque tu és a taça
que esperava dos dons da minha vida.

Dormi contigo
toda a noite enquanto
a terra escura gira
com os vivos e os mortos,
e ao acordar de repente
no meio da sombra
o meu braço cingia a tua cintura.
Nem a noite nem o sono
puderam separar-nos.

Dormi contigo
e, ao acordar, tua boca,
saída do teu sono,
trouxe-me o sabor da terra,
da água do mar, das algas,
do âmago da tua vida,
e recebi teu beijo,
molhado pela aurora,
como se me viesse
do mar que nos cerca.


(Pablo Neruda, tradução de Albano Martins).

sábado, 3 de janeiro de 2009


O Marinheiro desempregado


O barco era belo
rasgaram-lhe as velas,
intrusos cuspiram
no seu tombadilho
e o homem sem barco
seguiu pela estrada
com ondas redondas
rolando nos pés.

Gastou os sapatos
de tanto horizonte,
quis beijar a vida
ninguém o deixou,
quis comer, beber,
disseram que não,
sentiu-se doente
mas não tinha cama.

Soprou temporais
no sangue, nas veias,
e todo o seu corpo
foi fúria e foi quilha,
cercaram-no logo
com altos rochedos
e o homem sem barco
teve que evitá-los.

Na estrada sem nada
dos tristes humanos
com pernas-farrapos
o homem lá vai,
sem eira nem beira
de bolsos vazios
com os olhos ocos
marejados de mar.

(Sidónio Muralha)


quinta-feira, 1 de janeiro de 2009


Dia de chuva na cidade
triste por não haver liberdade.

Dia infeliz
com varões de água
a fecharem o mundo numa prisão.
E alguém a meu lado com voz múrmura que diz:
"está a cair pão."

Ah! que vontade de gritar àquela criança seminua
sem pão nem sol de roupa:
"Eh! pequena! Deita-te na rua
e abre a boca... "

(Dia em que urdo
este sonho absurdo.)

(In Poesia III, José Gomes Ferreira)