segunda-feira, 28 de setembro de 2009


VIAGEM NA NOITE LONGA

Na noite longa
minha alma
chora sua fome de séculos

Meus olhos crescem
e choram famintos de eternidade
até serem duas estrelas
brilhantes
no céu imenso.

E o infinito se detém em mim

Na noite longa
uma remotíssima nostalgia
afunda minha alma
E eu choro marítimas lágrimas
Enquanto meu desejo heróico
de engolir os céus
se alarga
e é já céu

Tenho então
a sensação esparsamente longa
de vogar no absoluto.

(Mário Fonseca)


sábado, 26 de setembro de 2009


Dás-me a lua

Empresto-te o meu sol e dás-me a lua
Esfarrapada a caneta ouve a tua voz
E desenho em letras o colorido do teu canto
E fica em mim a maré que a desnuda

Mastigo areia e água
Mar de algas, corais e foz
Manto, sangue e ossos silenciosos e sós
Magoada saudade sem mágoa

É assim a praia mar
Do meu seco peito
Réstea de luz, meu acordar

És tu a quem me vou agarrar
Paz, sono e meu leito
Meu espanto perfeito meu imperfeito amar.

(João Sevivas, in InterAmor)

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Dom Sem Tom

Este meu jeito
De dizer
De Ser
Em que abro o meu peito.

Tanta coisa que tenho feito
Neste sublime sofrer
Ébrio poder…
Que nem sei se é defeito.

Porque nunca minto?
Porque digo sempre o que sinto?
Sem malícia.

Vou tocar-te
Vou magoar-te
Com esta minha carícia.

(Paulo Afonso Ramos)

terça-feira, 22 de setembro de 2009


Uma onda e África

Um onda
é amar-te e medo
ciúme deste mar
tan-tan do meu naufrágio
numa canoa de pétala
de acácia
...
Amar-te é esta distância
e junto ao mar
senti-lo viajado
azul e com estrondo

Amar-te é uma fogueira
sobre a onda
sítio de uma lavra
de milho ou mandioca
na areia que me foge
sob a espuma

Amar-te é isto
com o teu perdão
não agarrar a onda
e mastigar-lhe o sal
que apenas sei
ter já beijado
a tua praia

Um onda que penso.
Outra em que reparo.
A mesma em que pensei
e que retorna ao mar.
...

(Manuel Rui)

sábado, 19 de setembro de 2009

PROCURA

Eu vou caminhando…
Caminhando sem parar…
Caminhando sem olhar para trás.
O andar é longo e espaçado
Porque não quero voltar…
Quero ir – procurar a luz…
Luz que me indique
Um caminho melhor…
Do que o que eu vou percorrendo…
E procuro a verdade…
E caminho para ela…
E procuro a justiça…
E tento abraçá-la…
Mas vejo a fome…
A guerra… e a dor…
E continuo a caminhar…
E a procurar…
Na ânsia de encontrar…
Um mundo melhor!...

(Lili Laranjo)

domingo, 13 de setembro de 2009


Entardecer

Amanhecem em mim
todos os dias quentes
de um tempo que já vivi.

Em que virgem me fiz mulher,
mãe-menina de mil solidões,
embalada no sonho
que é a vida aos turbilhões.

Amanhecem em ti
gaivotas no olhar,
plenas de liberdade
voando em dias serenos
de marés azuis e corais floridos
de águas profundas
longe das multidões…
Entardecem em nós,
momentos fulgurantes
em esvoaçares constantes
de ave roçando o azul
do imenso infinito
onde a eterna melodia
tocará até ao nascer do dia.

E da janela da vida
o sol quente, suavemente...
num mar calmo de ilusões
Entardeceu…

(Otília Martel)

sexta-feira, 11 de setembro de 2009


Adeus

Molhei os pés nessa onde
que rebentou no meu olhar
e o pôr-do-sol sorriu
num aceno de despedida.

A brisa saudou-me
num brinde de nostalgia
e o mar inquieto
murmurou o secreto desejo.

Na passagem do testemunho
despedi-me do rosto (que partiu)
fiquei com as lágrimas
e a solidão da noite.

Amanhã voltarei.

(Paulo Afonso Ramos)

domingo, 6 de setembro de 2009


Alegria

Simples como a criança
Na alegria de viver
Ser bom, justo e acreditar
Que não paramos de crescer
Doutras vidas somos herança
Só por amor ser
A palavra, o sorrir, o amar
Só por amor repartir e dar.

(João Sevivas)

sábado, 5 de setembro de 2009


IDÍLIO

Quando nós vamos ambos de mãos dadas,
Colher nos vales lírios e boninas,
E galgamos dum fôlego as colinas
Dos rocios da noite inda orvalhadas.

Ou, vendo o mar, das ermas cumeadas,
Contemplamos as nuvens vespertinas,
Que parecem fantásticas ruínas,
Ao longe, no horizonte, amontoadas.

Quantas vezes, de súbito, emudeces!
Não sei que luz no teu olhar flutua:
Sinto tremer-te a mão, e empalideces

O vento e o mar murmuram orações,
E a poesia das coisas se insinua
Lenta e amorosa em nossos corações.

(Antero de Quental)

quarta-feira, 2 de setembro de 2009


ROSA COM ESPINHOS

Uma rosa cresce na tua ausência. Não
a posso colher, a essa rosa vermelha que
incendeia a secura dos meus olhos. Limito me
a vê-la, a rosa do centro, na sua rotação
de sentimentos e hesitações. Embarco
no rumo que ela me indica. Sei
que me conduzirá para o porto dos teus
braços, onde ainda estremecem as marés
do amor.

Mas se a tua ausência me oferece
esta rosa, de que me servem os seus
espinhos? Lambo devagar as suas
feridas, sentindo correr pela minha alma
o sangue fresco da tua voz: a voz que abranda
quando o fogo se apaga, e de cuja
brancura se soltam os ventos que empurram
o desejo. Levam-me para
os teus lábios, a quem a rosa
roubou a mais pura cor.

Abraço então o teu corpo de flor, roubando
à rosa o gozo da sua dor.

(Nuno Júdice)