domingo, 28 de março de 2010

Cinco Sentidos

Os meus olhos choram
por não te verem
por não te terem
sofrem assim.
O teu cheiro
rosa por inteiro
encanta-me
em lençóis de cetim
perfumados
de ti e presos em mim.

Saboreio-te na ausência
num bocado perdido
toco-te além mar.
Oiço-te gritar
oiço o teu pedido
rendido
num marasmo perfeito.
Aqui moram
cinco sentidos que choram
por te ter presa no meu peito.

(Paulo Afonso Ramos)

quarta-feira, 24 de março de 2010

na hora de pôr a mesa, éramos cinco

na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo,
seremos sempre CInCO.

(José Luís Peixoto)

segunda-feira, 22 de março de 2010

AMBÍGUO

É pequeno o mar
para guardar
todas as palavras de amor
que te digo;
o céu de nuvens, carregado,
prenuncia chuva,
água na enchente do rio:
palavras de amor
nas margens submersas.

Enorme foi o mar
Rasando a minha ambiguidade.

(Paula Raposo)

sexta-feira, 19 de março de 2010

Nuvens

Lá em cima
as nuvens da minha infância sobrevivem.

Ganhei e perdi.
Amei.
E aos trinta anos
sinto que sou o senhor do mundo.
Dia a dia contemplo as nuvens
e digo para mim:
só o desejo é eterno.

Sou feliz a meu modo.
Junto do muro branco
uma rapariga beija-me.
os seus olhos parecem perguntar-me
se o nosso amor vai durar
toda a vida.

Eu sorrio
mas não lhe digo
que só o desejo é eterno.
Todas as manhãs me olho no espelho:
para trás ficou a primavera da minha vida
mas ainda sou o dono do mundo.
E continuarei a sê-lo
enquanto no céu
não se esfumarem as nuvens da minha infância
e não se apagarem
os velhos desejos.

(Unno Ahl)

terça-feira, 16 de março de 2010

Gaivota

Pudera eu cruzar o céu qual gaivota
Voar livre por todo esse imenso mar
Ver o reflexo do sol sobre essas águas
Pelo vento incerto me deixar levar!

Sem destino certamente eu voaria
Tendo o azul do céu e o mar como limite
Por uma aura de paz eu me envolveria
Para trás todo o lamento eu deixaria!

Pudera eu então de vez desvencilhar-me
De tudo aquilo que extenua o meu ser
Bater as asas num gesto de liberdade
Extravasar num grito a dor e a saudade!

Gaivota, com você quero voar
Bailar ao ritmo das ondas desse mar
Imitar a tua graciosidade
Desfrutar de toda a tua liberdade!

Ave marinha, eu teria a singeleza
Da cor branca que envolve tua plumagem
E ao pousar na areia eu adormeceria
Agraciada pela emoção da viagem!

Gaivota, abriga-me em tuas asas
Quero viver esse momento alucinante
Aventurar-me nesse azul exuberante
E contigo voar para bem distante!

(Lourdes Neves Cúrcio)

domingo, 14 de março de 2010

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando de vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado...
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas...
Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo...
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.

Mário Quintana

sexta-feira, 12 de março de 2010

Voltei a sonhar...

Voltei a sonhar...
Depois de estar confinada ao lado sombrio das árvores do jardim,
Atrevi me a contornar a ténue fronteira que o separa do lado soalheiro
E senti me renascer cheia de luz e calor, vontade e querer...
Hoje tenho vontade de sorrir, de rir e de amar..
Hoje tenho vontade de Ser...
Estou de passagem... sigo o caminho que me parece mais certeiro
Sem questionar para onde vou, sigo olhando, vendo e sentindo
O que de melhor há neste momento lindo...
Se por um acaso uma lágrima teimar em acariciar o meu rosto
O motivo só pode ser um: Alegria e não desgosto...

(Fátima Ferreira)

sábado, 6 de março de 2010

Uma voz na pedra

Não sei se respondo ou se pergunto.
Sou uma voz que nasceu na penumbra do vazio.
Estou um pouco ébria e estou crescendo numa pedra.
Não tenho a sabedoria do mel ou a do vinho.
De súbito ergo-me como uma torre de sombra fulgurante.
A minha ebriedade é a da sede e a da chama.
Com esta pequena centelha quero incendiar o silêncio.
O que eu amo não sei. Amo em total abandono.
Sinto a minha boca dentro das árvores e de uma oculta nascente.
Indecisa e ardente, algo ainda não é flor em mim.
Não estou perdida, estou entre o vento e o olvido.
Quero conhecer a minha nudez e ser o azul da presença.
Não sou a destruição cega nem a esperança impossível.
Sou alguém que espera ser aberto por uma palavra.

(António Ramos Rosa)

quinta-feira, 4 de março de 2010

No âmbago do pensamento

É na paz que adormeço o olhar
nesse manto de sentimentos silenciosos,
apetecidos, e sempre bem guardados

e no sonho, faço a viagem do querer
quero chegar longe – e chego
quero estar perto – e estou

e no olhar dessa paz
que esse corpo desnudo desperta
nasce cada dia,
e em cada dia renasce a noção
da verdadeira razão de ser
que é - saber dar e receber.

(Paulo Afonso Ramos)

terça-feira, 2 de março de 2010

Amanhã

Amanhã
quando me cruzar
no teu caminho
e olhar-te nos olhos,
quero sentir
as palavras que escreves.
Quero que fixes
o teu olhar no meu.
Quero sentir a tua coragem
num abraço.
Quero respirar
o teu desejo por mim.
Quero amar os teus lábios
mum momento eterno.

Amanhã
Quero... homem poeta,
que das palavras faças gestos.
Dos nossos corpos
um poema...
Da poesia
o nosso destino...

(Vanda Paz)