domingo, 23 de maio de 2010

Cala-te ...

Cala-te, voz que duvida
e me adormece
a dizer-me que a vida
nunca vale o sonho que se esquece.

Cala-te, voz que assevera
e insinua
que a primavera
a pintar-se de lua
nos telhados,
só é bela
quando se inventa
de olhos fechados
nas noites de chuva e de tormenta.

Cala-te, sedução
desta voz que me diz
que as flores são imaginação
sem raiz.

Cala-te, voz maldita
que me grita
que o sol, a luz e o vento
são apenas o meu pensamento
enlouquecido….

(E sem a minha sombra
o chão tem lá sentido!)

Mas canta tu, voz desesperada
que me excede.
E ilumina o Nada
Com a minha sede.

(José Gomes Ferreira)

sábado, 22 de maio de 2010

Adeus

É um adeus ...
Não vale a pena sofismar a hora!
É tarde nos meus olhos e nos teus ...
Agora,
O remédio é partir discretamente,
Sem palavras,
Sem lágrimas,
Sem gestos.
De que servem lamentos e protestos
Contra o destino?
Cego assassino
A que nenhum poder
Limita a crueldade,
Só o pode vencer a humanidade
Da nossa lucidez desencantada.
Antes da iniquidade Consumada,
Um poema de líquido pudor,
Um sorriso de amor,
E mais nada.

(Miguel Torga)

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Abraço

Passo a passo
percorro o areal
vou de encontro
ao vento
respiro o ar
puro
do momento.
Sinto-te,
sinto-te comigo...
Vejo-te nas pegadas
que ficam pata trás
na areia.
Ouço-te
no grito das gaivotas.
Sinto-te
num abraço
de saudade,
daqueles longos abraços
em que transmitíamos
as nossas vidas,
os nossos sentimentos.
Sem olhares
sem palavras
só com o calor
dos nossos corpos
num abraço imenso.

Agora abraço o vento...

(Vanda Paz)

terça-feira, 11 de maio de 2010

Versos ao Mar

Ai!,
o berço da tua voz,
e esse jeito de mão que tens nas ondas,
Mar!

Quando eu cair exausto
sobre as conchas da praia e fique ali
doente e sem ninguém,
hás-de ser tu quem me trate,
quero que sejas tu a minha mãe.

Há-de embalar-me a tua voz de berço,
para que a febre me deixe sossegar;
e hás-de passar, ó Mar!
pelo meu corpo em chaga,
as tuas mãos piedosas comovidas,
para que sintas por mim as minhas dores
e eu sinto só o bálsamo nas feridas.
Como se fosses tu a minha Mãe...
como se fosses tu a minha Noiva...

E hás-de contar-me histórias velhas
de Marinheiros...
Histórias de Sereias e de Luas
que se perderam por ti...
E se a Morte vier há-de quedar,
toda encantada, a ouvir-te,
e, sem ânimo já de me levar,
sorrindo, voltará por seu caminho
(não a sentimos vir, nem ir, tão de mansinho
se passou tudo, Mar!),
voltará de mansinho,
pé ante pé, para não nos perturbar,

mas saudosa da tua voz de berço...

(Sebastião da Gama)

domingo, 9 de maio de 2010

Poema

A minha vida é o mar o abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita

Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará

Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento

A terra o sol o vento o mar
São minha biografia e são meu rosto

Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento

E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Trago

Trago rosas... Senhor
e outras flores
trago um amplo sabor
entre mesclados odores
que subtraem as dores.

Trago a maresia
que afasta qualquer heresia
trago um sorriso
que é tudo o que preciso.

Trago também um perdão
que hei-de entregar
ao silêncio da confissão
que um dia há-de chegar
Trago paz neste meu olhar.

(Paulo Afonso Ramos)

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Poema para ti

A vida era feita de silêncios
e ausências
na indiferença fria dos dias.

Contigo descobri o sol
e no teu olhar o voo das gaivotas.

Afundo-me no teu sorriso,
guardo em mim novos horizontes,
Outono que brilha em luz.

(Ana Correia)

domingo, 2 de maio de 2010

Ser Mãe

Deixei a natureza transformar-me
Com todas suas leis
Tive o prazer de sentir um bebê no meu ventre
Chorei na maternidade,
Troquei fralda,
Passei noites acordada,
Desfrutei a sensação de amamentar,
Ensinei a comer,
Ensinei a andar,
Chorei no primeiro dia de escolinha
Talvez tenha deixado algumas pessoas de lado,
Talvez não tivesse tempo para dar atenção para as amigas
Pode ser que me relaxei um pouco com minha aparência
Ou quem sabe não tive nem tempo para pensar nisso
Pode ser que deixei alguns projetos pela metade
Ou talvez porque não conciliava com meu horário familiar
Momento algum joguei nada para o alto
Na verdade segurei com as duas mãos
Tudo o que vi cair do céu
Porém permiti
A mão de Deus me tocar
Para ser uma verdadeira mãe

(Mara Chan)