quarta-feira, 30 de junho de 2010

O CANTO DAS MINHAS LÁGRIMAS

Oiço o canto das lágrimas.
Sinto-as mornas na minha pele.
Limpo-as com sorrisos tímidos,
absorvendo-as em folhas de jarros.
Quebram o silêncio da saudade...
Encantam os jardins do nosso amor
com riachos salgados de dor.

Oiço o canto das lágrimas,
em copos vazios de ti
que se juntam ao corpo do vinho
e que se embriagam... entontecem.
Riem e choram dos pensamentos
lascivos... voluptuosos...
Do desejo de secarem em silêncio.

Oiço o canto das lágrimas,
que em melodia chamam por ti
cantando o teu nome
pelas ruas de cidades e aldeias
achando apenas memórias
daqueles dias que nos provámos
e apreciámos a essência de nós dois.

Em cálice de prata,
entrego-te o canto das minhas lágrimas.

(Vanda Paz, in Brisas do Mar)

terça-feira, 29 de junho de 2010

Esplanada

Apanho o lixo do litoral, ao longo da praia. Persigo
un sulco de passos, como se ainda levasse a
alguém. Desenho de memória o voo imóvel da
gaivota que espreita o cardume, para mergulhar
num intervalo de onda. Acompanho as mutações
do céu, na passagem do azul para o cinzento,
enquanto um rumor de inverno me ecoa na
cabeça. Vejo ainda, na esplanada da primavera,
a amada que habita o coração da nuvem.

Guardo os despojos da maré no saco da alma,
juntando-os a uma colecção de imagens a cujos
olhos roubo as lágrimas que humedecem o tempo
humano; e dou-lhes as cores fortes do
verão, o vermelho, o azul, o verde, vendo um
ocre de fotografia sobrepor-se à sua revelação,
como se pertencessem a um passado que me
fugiu por entre os dedos. Ponho sobre tudo isto
um branco de cal, desfazendo os gomos do ser.

Mas é nessa esplanada, em que reencontro
o teu riso, que abro os cortinados da solidão;
e uma janela de horizonte restitui-me o
teu corpo, nascido da ausência, para que o
abrace no instante matinal do poema. Assim,
o acaso produz a sua razão no tempo improvável
de amanhã; e quando é já hoje, sabendo que
o passado acabou, vejo renascer de ontem a
mais bela das imagens, num subir de maré.

E sigo os passos que deixaste na areia destes
anos, enquanto me esperas na esplanada vazia.

(Nuno Judice, in A Matéria do Poema)

domingo, 27 de junho de 2010

Que música escutas tão atentamente

Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?
Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.
Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?
Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.

(Eugénio de Andrade)

sábado, 26 de junho de 2010

Hoje, deixo aqui um texto de Paulo Afonso Ramos. Um texto de uma prosa poética deliciosa... em que o autor transmite toda a intensidade das suas emoções. É, e muito bem, um verdadeiro "pintor das palavras". Sem mais comentários, aqui vai o texto:

SÓ MAIS ETA NOITE!

Sinto-te envolta no névoa dos sentidos. Sinto as cordas que amarram o teu desejo e que ferem o teu corpo emergente dessa tortura inacabada.
Vejo os teus sonhos, de esperança e de liberdade, a fugirem da tua cama no silêncio da noite escondida e fria. Vejo o teu corpo, ardente, que repousa, desgastado, das batalhas evocadas contra o vento... um vento que sopra de todas direcções!
Sinto o teu acordar... vejo esse sorriso por acontecer. Uma palavra pensada que nunca vais dizer e no espaço de um passo, deixas cair um bom dia...
Revigorada! Avanças para esse novo dia.
Nunca saberás que a noite foi tumultuosa, nem sentirás o esforço empregue nessa missão enjeitada de laços de desejo... é segredo.
Só as paredes sabem, pintadas de um neutro sabor e nunca dirão as viagens que aconteceram... nunca, por outras cores que as pintes serão sempre mudas.
E o cansaço trai-te, empurra-te para mais uma noite longa. As paredes abrem-me um espaço para entrar em segredo. Fico só mais esta noite!

(Paulo Afonso Ramos, in Mínimos Instantes)

sexta-feira, 25 de junho de 2010

À ESPERA

à espera de um sinal
de uma estrela cadente
de um anúncio de jornal
de um toque diferente
de um sorriso
de um beijo
de uma mão
só para mim

à espera de um sinal
de um poema perdido
de um livro ancestral
do meu doce preferido
de uma escolha acertada
de uma princesa encantada
de uma flor do seu jardim
colhida só para mim

(Nuno Guimarães, in "rio que corre indiferente")

sábado, 19 de junho de 2010

Fala do Velho do Restelo ao Astronauta

Aqui, na Terra, a fome continua,
A miséria, o luto, e outra vez a fome.

Acendemos cigarros em fogos de napalme
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
E também da pobreza, e da fome outra vez.
E pusemos em ti sei lá bem que desejo
De mais alto que nós, e melhor e mais puro.

No jornal, de olhos tensos, soletramos
As vertigens do espaço e maravilhas:
Oceanos salgados que circundam
Ilhas mortas de sede, onde não chove.

Mas o mundo, astronauta, é boa mesa
Onde come, brincando, só a fome,
Só a fome, astronauta, só a fome,
E são brinquedos as bombas de napalme.

(José Saramago)

sexta-feira, 18 de junho de 2010

MEU SEGREDO

É na poesia
que trago
o meu segredo.
Embrulhado
em palavras doces
com laços de paixão.

É no mar
que guardo
o meu segredo.
Revolto,
em ondas de devaneio
como a espuma fugaz
de ilusão.

É com a lua
que partilho
o meu segredo
nas longas madrugadas
de solidão.
Sentindo o desejo
de alguém que longe
sente também o meu lampejo.

(Vanda Paz, in Brisas do Mar)

terça-feira, 15 de junho de 2010

Pergunta-me

Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se4 o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos

pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser

se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente

Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer

(Mia Couto, in Raiz de Orvalho e outros poemas)

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Poema demolido

Há uma lágrima no canto do olho
desse menino inocente
que entre silêncios respira
os desejos do amanhã
há uma lágrima tímida
que esconde as esperanças perdidas
nos dias que já morreram
há, nesse olhar enigmático, a dor
a dor de existir.

As imagens que se repetem
nas televisões do mundo
e que não trazem as poeiras
ou os cheiros das ruas
não mostram as tristezas
não contam as lágrimas perdidas
nas noites de sobressaltos.
Há histórias escondidas
de sorrisos e memórias esquecidas.

Mas em cada criança
há um poema que há-de surgir
e será a mais linda flor
que o mundo um dia viu florir!

Paulo Afonso Ramos

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Dourados Outonais

O sol beijava o mar de luz e cor
Numa tarde de Setembro
Reluzente de bonança.
Enchi meus olhos de mar
Meu coração de paz e liberdade,
Enfeitando minha alma de esperança.
No horizonte esvoaçavam as gaivotas,
Quais querubins anunciando a quietude,
Soavam nítidos seus gorjeios soltos e leves,
Em melodias compassadas e tão breves.
Enquanto as ondas ensaiavam sua dança
O mar imenso, sorrateiro se agigantava e,
Em tons de verde e azuis de espuma,
Pincelava algas cinzentas,
Que disfarçadas, meio apressadas,
Nas suas águas se enrolavam.

(Dalila Moura Baião, in Varandas de Luar)

domingo, 6 de junho de 2010

Tu que procuras na solidão
um espaço de reflexão dos teus passos.
Tu que procuras,
uma razão
um caminho por realizar
ou um amor por acontecer
a solução está em teu redor.
Tu que procuras uma identidade
que seja mais que a tua verdade
que a sintas sem que mintas
olha para a tua dor.

Só encontrarás alguém
se primeiro procurares por ti!

(Eduardo Montepuez)

sábado, 5 de junho de 2010

Hoje a noite não tem fim

Hoje a noite não tem fim.
Os minutos não passam,
Choram a tua ausência...
Sobrevivem apenas numa vaga melodia,
Que os embala e ao mesmo tempo os atrasa...

Dentro de mim ainda te oiço
Pois regresso aos caminhos
Por onde passaram os ecos perdidos da tua voz,
E por onde os teus olhos tranquilos
Deixaram os claros silêncios entre nós...

Vens no canto das aves, na espuma das ondas
És o canto do vento, luzes e sombras
Moves o ar em redor...
És a musica suave, o meu segredo mais querido
A minha dor no sustento, és o meu porto de abrigo,
És a memória do amor.... guardo-te.

(Lara Santos)