segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O MAR

Mar dos meus sonhos infinitos,
Onde tantas vezes adormeci e sonhei…
Onde pintei quadros tão bonitos,
Onde no teu colo me embalei.

Confidente dos meus segredos,
Dos meus amores e ilusões.
Conselheiro dos meus medos,
Remédio das minhas desilusões.

Companheiro nas horas de ansiedade,
Conforto nas dolorosas despedidas.
Música de fundo em momentos de felicidade,
Amigo no amanhecer de noites mal dormidas.

Nas tuas águas navego sem rumo,
Nas agitadas ondas da imaginação…
Minha tristeza esvoaça como fumo
E a tua calma invade o meu coração.

Com imenso azul no horizonte a desaparecer
E grandes mistérios por desvendar…
Com emoção te estou a descrever,
Com nostalgia te admiro com o olhar!

(Dina Rodrigues)

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Esperava apenas a tigela de sopa
enquanto jogava às cartas
vi-o nos telejornais
vi-o à entrada de casa
vi-o nas escadas do metro
vi-o no centro da cidade
e quando alguém não suportou mais e disse:
"quem é que responde por isto?"
ignorámos os telejornais
ignorámos as escadas do metro
ignorámos o rosto que esperava apenas
um tigela de sopa
ignorámos os sinais de todos os nomes
por dentro do rosto
que esperava apenas uma tigela de sopa

e foi no dia em que fomos transformados

perfil frio de nossos mortos
(medo que aflora)
e só restos
só despojos

Maria Azenha (in "de amor ardem os bosques")

sábado, 22 de setembro de 2012

Menino da Rua

Criança que te arrastas pensativa
Pelas ruas do sonho e da cidade,
Limpa a lágrima súbita e furtiva
E ri-te com prazer e com vontade

Quero que faças do que te atormenta
Um brinquedo bonito e colorido...
Quero que esqueças o que a vida inventa
P'ra te fazer chorar, menino querido...

Crinaça vítima, criança dor
Que não conhece o abrigo, nem sequer
O aconchego doce do amor...
O gosto de um abraço de mulher.

Gostava de saber-te protegida,
De ter-te junto a mim constantemente...
Quero pôr fim à porca dessa vida
Que te agride e te marca injustamente...

Criança, rosto sujo, cor doente,
Corpinho nu, cansado de sofrer...
Vergonha de quem diz que está contente,
Maldição de quem vive por viver...

Quem me dera poder secar-te o pranto,
Sarar-te as feridas e guardar-te aqui...
Criança, meu amor, quero-te tanto
Que não serei feliz se penso em ti.

(Helena Rocha, in Beijos e Sorrisos)

terça-feira, 18 de setembro de 2012

NAYARA

Meus sentidos não fazem sentido
Estou a vagar em um barco sem leme
A cada dia levado pelas ondas.

Uma voz me desperta...
Fecho os olhos e vejo você.

Cada palavra dita,
Cada sílaba articulada,
Conduz o meu barco para além do horizonte.
Não me atrevo em abrir os olhos,
Pois não quero ficar órfão dessa doce ilusão.

Sinto as horas tocarem-me os olhos,
Tentando de qualquer maneira despertar-me.
Vivo travando esse longo duelo
O qual, por você, luto a cada instante...

A solidão articula sua última cartada:
Oferece-me palavras vis, blasfêmicas e ofensivas.
Desperto-me envolvido numa bruma de desespero
Grito o seu nome... Nayara!
Mas sua voz não responde.

A lembrança de sua ausência me assombra
Ao mar, dediquei o sal do meu pranto,
Aos sonhos, ofereci um banquete de incertezas
Ao vento, lancei esse poema
Para que todos saibam o seu nome...

(Agamenon Troyan, pseudónimo de Carlos Roberto de Souza)

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Desnecessária explicação

Que importa a melodia,
se acaso aos outros dou,
com pávida alegria,
o pouco que me sou?

Que importa ao que me sabe
estar só no meu caminho,
se dentro de mim cabe
a glória de ir sozinho?

Que importa a vã ternura
das horas magoadas,
se ao meu redor perdura
o eco das passadas?

Que importa a solidão
e o não saber onde ir,
se tudo, ao coração,
nos fala de partir?

Daniel Filipe

terça-feira, 31 de julho de 2012

A Demora

O amor nos condena:
demoras
mesmo quando chegas antes.
Porque não é no tempo que eu te espero.

Espero-te antes de haver vida
e és tu quem faz nascer os dias.

Quando chegas
já não sou senão saudade
e as flores
tombam-me dos braços
para dar cor ao chão em que te ergues.

Perdido o lugar
em que te aguardo,
só me resta água no lábio
para aplacar a tua sede.

Envelhecida a palavra,
tomo a lua por minha boca
e a noite, já sem voz
se vai despindo em ti.

O teu vestido tomba
e é uma nuvem.
O teu corpo se deita no meu,
um rio se vai aguando até ser mar.

Mia Couto, in "idades cidades divindades"

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Herança


Os meus parentes próximos foram sempre pobres.
Nunca souberam o que é ser dono do que quer que seja.
A alegria de olhar um pôr de sol
ou de sentir o riso de uma criança
foi-me ensinada pelo meu pai.

O resto pouco importa.

(Samuel Prado)

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Resta-me… o tempo!

Ficaram tantas palavras
por dizer…
tantos gestos
por fazer…
agora que o tempo foge
agora que a distancia aumenta
o meu sorriso
esbate neste espaço circunscrito…

Já sabia,
que o tempo nos fugia
e que a tertúlia
um fim teria…

Resta-me um rio
onde posso mergulhar
no mundo do silêncio
resta-me a chuva
como uma lágrima
de quem chora…
resta-me a ponte
que nos separa
e nos junta.

Resta-me…
a palavra com que luto
e me defendo
restam-me…
as madrugadas
com que me invento
renovado,
na esperança
na ilusão
de ler
de escrever
as palavras que moldam
o meu
o teu
e o querer de alguém
instalado no coração
do tempo…

Já sabia,
que o tempo nos fugia…

(Paulo Afonso Ramos)

sexta-feira, 29 de junho de 2012

E EU ERA O TEU KWANZA


E eu era o teu kwanza
Caudaloso
E tortuoso
Destreza
A farfalhar as margens
Das tuas paragens!

Um kwanza vaidoso
E sinuoso
A fundir a doçura
Do meu açúcar
Na salgadura
Das ondulações do teu mar!

Ou ainda a nostalgia
Dum pôr-do-sol a entardecer
A luz do teu dia
Eu era a delicadeza
Duma brisa
A sussurrar-te o amanhecer!

Era a noite solitária
A beijar a insónia
Da tua madrugada
Uma mania
D’aurora adiada
Na maré da tua praia!

Era a melodia
Do trecho
Do canto dum riacho
Harmonia
D’águas a batucarem pedras
E a polirem lascas ásperas!

Um aceno distante
No anoitecer
Da tua noite
Dormida-acordada
Eu era o kwanza da tua almofada
A balbuciar-te o alvorecer!


Décio Bettencourt Mateus in "Xé Candongueiro!"

terça-feira, 22 de maio de 2012

Protesto contra a lentidão das fontes


Vazaram-se as luas da savana
ossadas pálidas emigraram
dos corpos para o chão
ajoelharam-se os bois
exaustos de carregarem o sol
.
Escureceram as horas
nomeadas pela fome
extinguiu-se o sangue da terra
esvaiu-se o leite
num coágulo de saudade

Restam troncos
sustentos gemidos
mães oblíquas sonhando migalhas
mendigando crenças
para salvar os filhos já quase terrestres

Quem protege estes meninos
feitos da chuva que não veio?
Que casa lhes havemos de dar?

Amanhã
quando se entornarem os cântaros do céu
as aves voltarão a roçar a lua
e as cigarras de novo espalharão o canto

Mas dos meninos
talhados a golpe de poeira
quantos restarão
para saudar o amanhecer dos frutos?


(Mia Couto, in Raiz de Orvalho e Outros Poemas)

sábado, 28 de abril de 2012

Ubiquidade

Podias ter vindo hoje,
como quem chega de longe,
rompendo o silêncio da manhã
num voo de velas desfraldadas
ou num canto súbito de rouxinol
anunciando a primavera.

Podias não ter vindo hoje,
perdida numa maré de nevoeiro,
sem encontrar o caminho,
deixando-me preso à margem deserta
de um rio de águas estagnadas
como um barco sem rumo.

Podias ou não ter vindo hoje,
encher meu dia de luz ou sombra,
que não impedirias a noite de cair
nem o vento de bater nas janelas
ou que os cães latissem à lua
incapazes de compreender o futuro.

O que te queria mesmo dizer,
tivesses ou não ter vindo hoje,
é que sempre estarás dentro de mim,
mesmo nos dias em que nunca vens.


(Runa)

quinta-feira, 26 de abril de 2012

O Silêncio


Sabes...
O silêncio mente
Quando esmaga a dor que sentimos,
A memória que aflora,
O amor que dói,
A tristeza que invade os poros
Todos, até às entranhas.

O silêncio mente
Quando nos obriga a ficar,
Querendo partir,
Nos força a sorrir,
Querendo chorar,
Nos inmida a fazer de conta
Que somos aqueles que aparentamos
Ser, quando somos outros,
Tão outros e tão sem igual.

O silêncio mente
Despudoradamente e sem vergonha,
Sempre que nos torna escravos
Da sua egocêntrica voracidade
E nos compele a ser
Amorfos e hermafroditas,
Em corpos ideais.

Sabes... O silêncio dói demais!...

(Paulo César, in No Chão D'Água)

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Testemunho


As vezes procuro encontrar
As mesmas sensações
Os mesmos momentos
Que em criança trazia no olhar
Encontrei ventos
Que espalham desilusões.
É a diferença da idade
Sem poder recuar
É toda a realidade
Que me faz lutar (brincar).
Hoje, o meu brinquedo
É todo o medo
De poder acabar.
Vejo o tempo, fugir
Das minhas mãos
Sem me iludir.
Continuo a caminhar
Pelo sonho que construí
Deixo, as palavras do que aprendi.

nada mais tenho...


Paulo Afonso Ramos)

quarta-feira, 28 de março de 2012

as coisas elementares

falo das coisas mais
elementares
o sino da igreja
onde um galo não canta
um seixo rolado
guardando o tempo
dentro de si
um torrão de terra
grávido de uma semente
mais elementares ainda
os sorrisos presos nos lábios
das crianças tristes
as lágrimas
rios de salgados
nos leitos dos rostos abandonados
nos lares/depósitos
falo porque
estou cansado de comer silêncio
e ler poemas de amor
com tanto desamor
a caminhar por aí
as coisas mais elementares
são as que deviam ocupar
o ventre das palavras por parir

(António José Cravo)

domingo, 4 de março de 2012

Libertação

Devolvo à terra
O saber sedento da água cristalina
A fecunda criação verdejante
A fresca brisa envolta em neblina

Devolvo à vida
A utopia presa em voo alado
O lamento feito choro suplicante
O presente inteiro gasto em passado

Devolvo-te meu amor
O soneto febril, verso imperfeito
A carícia colada à pele, viajante
O desejo que esculpiste no meu leito

Devolvo-te
Ao prazer de mergulhar em seiva minha
À recusa de saber-me degradante
À triste sorte de me sentir sozinha

Depois...
Lanço a alma ao mar e me liberto
Num acto insano, demente
De querer sorver-te mundo, tão impuro
Renascendo na maré, sentindo gente.

(Maria João de Carvalho Martins, in "Do outro lado do espelho")

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Para onde vais?

Para onde vais?
Perguntas a medo.

Sou leme, sou vela
sou barco sem rumo
que dorme em teu cais
em segredo.

Para onde vais?
Queres mesmo saber...

Vou pintar de água doce
o mar que navegas
com o coração
a bater.

Não me perguntas mais:
Para onde vais?

Irei, serei, aqui e tão só
pedra nua, suave nevoeiro
uma alma que se cola à tua
e assim abraça o mundo inteiro!

(Maria João de Carvalho Martins, in "Do outro lado do espelho")

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Infância adiada

as crianças sentam-se no banco
onde não tem jardim
a brincar com o verde
onde não corre a esperança
na manhã que desperta
onde não brilha o sol
num lugar de encruzilhadas
onde não existem caminhos
num sonho de asas inchadas

onde já não há crianças

(Runa)