terça-feira, 31 de julho de 2012

A Demora

O amor nos condena:
demoras
mesmo quando chegas antes.
Porque não é no tempo que eu te espero.

Espero-te antes de haver vida
e és tu quem faz nascer os dias.

Quando chegas
já não sou senão saudade
e as flores
tombam-me dos braços
para dar cor ao chão em que te ergues.

Perdido o lugar
em que te aguardo,
só me resta água no lábio
para aplacar a tua sede.

Envelhecida a palavra,
tomo a lua por minha boca
e a noite, já sem voz
se vai despindo em ti.

O teu vestido tomba
e é uma nuvem.
O teu corpo se deita no meu,
um rio se vai aguando até ser mar.

Mia Couto, in "idades cidades divindades"

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Herança


Os meus parentes próximos foram sempre pobres.
Nunca souberam o que é ser dono do que quer que seja.
A alegria de olhar um pôr de sol
ou de sentir o riso de uma criança
foi-me ensinada pelo meu pai.

O resto pouco importa.

(Samuel Prado)

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Resta-me… o tempo!

Ficaram tantas palavras
por dizer…
tantos gestos
por fazer…
agora que o tempo foge
agora que a distancia aumenta
o meu sorriso
esbate neste espaço circunscrito…

Já sabia,
que o tempo nos fugia
e que a tertúlia
um fim teria…

Resta-me um rio
onde posso mergulhar
no mundo do silêncio
resta-me a chuva
como uma lágrima
de quem chora…
resta-me a ponte
que nos separa
e nos junta.

Resta-me…
a palavra com que luto
e me defendo
restam-me…
as madrugadas
com que me invento
renovado,
na esperança
na ilusão
de ler
de escrever
as palavras que moldam
o meu
o teu
e o querer de alguém
instalado no coração
do tempo…

Já sabia,
que o tempo nos fugia…

(Paulo Afonso Ramos)