terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Mar imenso

Olho para o mar,
perco o horizonte!
Mar imenso
que nos distancia,
mas não nos afasta!


Nosso amor
conhece o mar,
navega nele
todos os dias
da nossa vida!


Não haverá
naufrágio
e chegará a bonança,
as águas acalmarão,
e o meu coração,
liberto da tempestade,
esperará com esperança,
o dia
em que o mar imenso
nos aproximará,
para sempre,
para sempre, meu amor!

José Manuel Brazão

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Aqui fica a minha homenagem a Nelson Mandela.
Palavras que lhe deram força e o ajudaram a lutar pela vida...

Invictus

Dentro da noite que me rodeia
Negra como um poço de lado a lado
Agradeço aos deuses que existem
por minha alma indomável

Sob as garras cruéis das circunstâncias
eu não tremo e nem me desespero
Sob os duros golpes do acaso
Minha cabeça sangra, mas continua erguida

Mais além deste lugar de lágrimas e ira,
Jazem os horrores da sombra.
Mas a ameaça dos anos,
Me encontra e me encontrará, sem medo.

Não importa quão estreito o portão
Quão repleta de castigo a sentença,
Eu sou o senhor de meu destino
Eu sou o capitão de minha alma.

William Ernest Henley

Elegia para uma gaivota

Morreu no mar a gaivota mais esbelta,
a que morava mais alto e trespassava
de claridade as nuvens mais escuras com os olhos.

Flutuam quietas, sobre as águas, suas asas.
Água salgada, benta de tantas mortes angustiosas, aspergiu-a.
E três pás de ar pesado para sempre as viagens lhe vedaram.

Eis que deixou de ser sonho apenas sonhado. É finalmente sonho puro,
sonho que sonha finalmente, asa que dorme voos.

Cantos de pescadores, embalai-a! Versos dos poetas, embalai-a!
Brisas, peixes, marés, rumor das velas, embalai-a!

Há na manhã um gosto vago e doce de elegia, tão misteriosamente, tão insistentemente,
sua presença morta em tudo se anuncia.

Ela vai, sereninha e muito branca.
E a sua morte simples e suavíssima
é a ordem-do-dia na praia e no mar alto.

Sebastião da Gama

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Silêncio

É no silêncio que me encontro,
quando me escondo da face do mundo,
encolhido
dentro dos ossos frios do pensamento.
Lentamente, deixo cair a máscara
que me protege dos olhares furtivos
e esconde as cicatrizes acumuladas
desta ininterrupta maré de lama
que vem na enxurrada inútil dos dias,
e deixo-me levar pela corrente,
à deriva por entre os destroços.

Ninguém conhece os segredos que me habitam
nem o que pulsa neste coração ferido.
Ninguém vê o arrepio que se entranha na carne frágil
quando me debruço sobre a própria sombra.
Ninguém me vê quando choro.

Às escuras,
dentro de mim,
sigo as sombras ofegantes
que me enlaçam pela cintura,
traçando círculos de gelo
nas colinas fustigadas do meu peito.
E choro.
Levo as mãos ao rosto,
manchado,
bebendo as lágrimas perdidas
desta esponja ensopada em vinagre,
e encolho-me,
mais fundo ainda,
dentro da dor que pinto ao vento
com os ensanguentados versos
destes dedos vazios.

Pouso a caneta, por momentos,
acendo um cigarro
e recosto a cabeça.
Fecho os olhos
e continuo a chorar.
Em silêncio.

Só eu sei porquê.

Runa, "Seguindo o escoar do tempo"

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Espelhado no mar

Ao lusco-fusco do dia, que se despede
Apraz-me escutar-te, beleza melódica do mar.
Viagem sem tempo, as tuas continuadas vagas
Sempre outras, sempre novas
Hipnotizam-me, na sua falsa monotonia.
Extasiado, alcanço-te apenas com a imaginação
Sentindo nas tuas cadências de espuma brilhante,
A chegada mágica do teu errar, a ir e a voltar.
Espectador e só, continuo a buscar
Continuo a escutar e a esperar.
Mas tu afastas-me de mim,
Afastas-me tanto,
Que deixo de me ver e sentir,
Actor de teatro, no mundo e na vida.
Magia benfazeja,
Fazes crescer o meu eu,
Que se busca e escuta e espera,
Até ter um infinito enorme, sem tamanho.
E, então, por artes mágicas só de ti sabidas
Trazes-me à superfície o nada e o sublime.
E de mim para mim, então eu penso
Vais ainda por cá ficar e andar.

Miguel Almeida, in Ser Como Tu

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Epígrafe


Murmúrio de água na clepsidra gotejante,
Lentas gotas de som no relógio da torre,
Fio de areia na ampulheta vigilante,
Leve sombra azulando a pedra do quadrante,
Assim se escoa a hora, assim se vive e morre...

Homem, que fazes tu? Para quê tanta lida,
Tão doidas ambições, tanto ódio e tanta ameaça?
Procuremos somente a beleza, que a vida
É um punhado infantil de areia ressequida,
Um som de água ou de bronze e uma sombra que passa...

(Eugénio de Andrade)

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Momentos

Há momentos em que as almas se unem
se tocam, se enlaçam, se soltam
e se abraçam sem nada dizer.
Momentos de olhares rasos de água
soltando silêncios repletos de sons
Talvez Chopin nos nocturnos ou cantatas de Bach.
Momentos brilhantes de estrelas, de luas
plasmadas no olhar. Momentos de pele
indeléveis, macios. Momentos de nuvens
que entornam uma chuva de amor infinito.
Momentos por dentro do tempo
em que as mãos se entendem, se entregam
se aquecem, se unem. Momentos de luz
de verdade, carinho, amizade e da mistura doce
de amor e saudade. Momentos que não querer partir.
De versos e prosas, de rir e chorar
momentos sem nome que nenhum poeta
consegue explicar.
Há momentos assim, que de tanto sentir,
a vida nos basta.

Olívia Santos, in "Nos teus olhos a janela do tempo"

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Um dia virá

Um dia virá
em que a minha porta
permanecerá fechada
em que não atenderei o telefone
em que não perguntarei
se querem comer alguma coisa
em que não recomendarei
que levem os casacos
porque a noite se adivinha fresca.

Só nos meus versos poderão encontrar
a minha promessa de amor eterno.

Não chorem; eu não morri
apenas me embriaguei
de luz e de silêncio.

(Rosa Lobato de Faria, in A Noite Inteira Já Não Chega Poesia)

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Era como se

Agora,
Com o peso da idade
A pesar-lhe no corpo,
Era como se
A missão, a razão fundamental
Tivesse sido sempre, na vida
A obrigação de preservar o essencial,
Para existir e não se resignar a morrer.

Agora,
Com o fardo dos anos
A pesar-lhe nos ombros,
Era como se
Lutar contra a decadência
Tivesse sido sempre, na vida
O sentido, o motivo fundamental
Para resistir e não se deixar abater.

Agora,
Com o peso da idade
A ameaçar roubar-lhe a vida,
Era como se
Esquivar-se ou lutar
Tivesse sido sempre, na vida
A história, a sua biografia autorizada
Para persistir e aceitar continuar a viver.

Miguel Almeida, in Sobre Viver ad ritmo poetae)

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Ultimos sinais


Talvez uma réstia de perfume antigo
perdure ainda na orla do teu vestido
quando sacodes os cabelos molhados
e te libertas da persistência da chuva.
Talvez o tempo não tenha apagado tudo
e nalgum lugar repouse ainda a inocência
que um dia atravessou a claridade dos dias.
Talvez a memória breve daquilo que fomos
ainda se abrigue num rumor de ventania
ou no frio amadurecido dos teus lábios
quando lentamente fechas os olhos
e escutas, no mais profundo de ti
os últimos sinais da minha respiração.

(Runa, ...Seguindo o escoar do tempo)

sábado, 21 de setembro de 2013

Você!

Gosto das tardes assim, serenas,
das madressilvas tão delicadas,
pequenas, e de toda forma de amor.
Gosto dos sorrisos que brotam
de momentos tão simples,
olhares ingenuos, ao
mesmo tempo cúmplices
Gosto das cruas verdades.
Das mais duras e doloridas,
manhãs, promessas de vida
e da suportável solidão.
Das idas e vindas, mesmo
que passageiras, retratos pequenos,
amenos, perenes, verdadeiros.

De todas as pequenas coisas
que me lembram você!

A C Rangel, in Alma Tua

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

A tua brisa

De olhar vago e triste
procuro o teu olhar
tão perdido quanto o meu

Solitário me cobro de véus
sentado no banco ainda morno
que um dia foi teu

Procurando recordações
e desencantos na brisa
que beija e me afaga o rosto

António Gallobar - Ensaios poéticos

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Sou como se fosse...

Iniciei um conto como se fosse o prólogo,
Vesti traje de gala como se fosse um pajem,
Provei do vinho bom como se fosse enólogo,
Tratei do exterior como se fosse imagem.

Cantei a serenata como se fosse amante,
segui a lei da vida como se fosse tudo,
Passei por um deserto como se fosse errante,
joguei aos carnavais como se fosse entrudo.

Desfiz nós apertados como se fosse esperto,
Calei histórias tristes como se fosse púdico,
Contei a nossa vida como se fosse aberto,
Gozei as coisas simples como se fosse lúdico.

Fiz contas de somar como se fosse pouco,
Comi o pão do dia como se fosse pobre,
Amei perdidamente como se fosse louco,
Lutei por boas causas como se fosse nobre.

Pintei-me de palhaço como se fosse alegre,
Forrei-me de veludo como se fosse gente,
Fugi da multidão como se fosse lebre,
Beijei os pequeninos como se fosse quente.

Impus-me um ar altivo como se fosse o Rei,
Desfiz-me em pedacinhos como se fosse um caco,
Impus minha balança como se fosse a lei,
Perdi-me no caminho como se fosse um saco.

E agora
aos sessenta e tal?
Afinal
o que fui?
O que sou?
Para onde vou?

Não sei o que fui.
Não sei onde vou.
Mas sei o que sou.

Um pouco de ti,
Um pouco de mim,
Um pouco do outro
que por mim passou.

(Manuel Paulo, in Ponto Final)

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Escrevo-te


Escrevo-te a sentir tudo isto
e num instante de maior lucidez poderia ser o rio
as cabras escondendo o delicado tilintar dos guizos nos sais de prata da fotografia
poderia erguer-me como o castanheiro dos contos sussurrados
junto ao fogo
e deambular trémulo com as aves
ou acompanhar a sulfúrica borboleta revelando-se na saliva dos lábios
poderia imitar aquele pastor
ou confundir-me com o sonho de cidade que a pouco e pouco
morde a sua imobilidade
habito neste país de água por engano
são-me necessárias imagens radiografias de ossos
rostos desfocados
mãos sobre corpos impressos no papel e nos espelhos
repara
nada mais possuo
a não ser este recado que hoje segue manchado de finos bagos de romã
repara
como o coração de papel amareleceu no esquecimento de te amar

Al Berto

quarta-feira, 17 de julho de 2013

DEIXA-TE FICAR

Deixa-te ficar. Encosta o cansaço
ao vermelho da rosa
esquecida ela também de ser botão.
Pensa na história mil vezes contada
e acrescentada e sempre a mesma
e já outra, a história.
Podes até não falar.
Passeia os olhos nas capas dos livros,
para cá, para lá, numa procura
sem tempo de achamento.
Os relógios não dizem tic-tac,
mas tu vais ouvi-lo e leve, muito leve,
a tua mão na mesa num batuque do longe,
das terras quentes que te não viveram.
Fica mais um pouco.
No vermelho da rosa aflora o negro.
No teu rosto um sorriso de lua,
a memória da prata.
Espera o piar dos mochos,
o coaxar das rãs, o cio triunfal
da vida sobre a morte.
Agora vai. A história espera
que a inventes, a contes, a acrescentes.
Que nunca o dia chegue de a saberes.

Licínia Quitério - O Sítio do Poema

terça-feira, 16 de julho de 2013

SEMPRE

sempre que uma praia se levanta
és sempre tu que me tocas
e sempre tu quem aceita o sorriso
é sempre o sol embrulhado em terra pura
e sempre pura a voz que a terra canta



porque se ouvires a água na pedra
a água que sempre nos meus lábios sabe a ti
se ouvires a água na pedra tens a lua
a manhã o cereal de espuma que não pára de crescer
nos lábios teus que a água dos meus conhece
como o sol procura o dia e sempre acha a noite



e é na noite que sempre te digo
que sempre te juro as mãos enormes
e levanto a praia que tu levantas
quando sempre acordamos
e na nossa nudez se esconde a noite
em que lábios nos lábios criámos o mar

Vasco Gato, in "Um Mover de Mão"

terça-feira, 2 de julho de 2013

Diz-me...

Diz-me…
Porquê tanta dor
E tanta sombra,
Contidas numa só lágrima…

Diz-me….
Porque se rasgam os céus de sangue,
Se castigam inocentes,
Porque se vive para matar,
Se mata em nome de Deus
E se morre por amor?

Diz-me…
Por tinhas de partir mal vieste para mim
Porque deixaste nosso amor
Espalhado pelo chão
Em mil pedaços de dor?

Diz-me…
Porque tenho de sofrer,
Se o horizonte é sempre azul
E se o sol transforma no céu
Todo o cinzento em cor?

Diz-me…
Que nada disto é verdade…
Diz-me….
Que não tens de voltar p’ra mim
Porque estarás sempre a meu lado….
Diz-me…..!

Maria Célia Silva

segunda-feira, 1 de julho de 2013

O Búzio de Cós



Este búzio não o encontrei eu própria numa praia
Mas na mediterrânica noite azul e preta
Comprei-o em Cós numa venda junto ao cais
Rente aos mastros baloiçantes dos navios
E comigo trouxe ressoar dos temporais


Porém nele não oiço
Nem o marulho de Cós nem o de Egina
Mas sim o cântico da longa vasta praia
Atlântica e sagrada
Onde para sempre a minha alma foi criada

Sophia de Mello Breyner, O Búzio de Cós

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Já(que)nasci

Já nasci carregada de sonhos
E dos sonhos fiz a minha moradia
Soneguei das lágrimas e dos momentos menos risonhos
A força brutal para parir alegrias.

Já nasci carregada de sentimentos
E dos sentimentos fiz lema e estandarte
E dos gritos de dor fiz sorrisos e alimentos
Para alimentar meu coração e minha arte.

Já nasci a cheirar livros,e letras, a devorar,
E devoro a vida por saber que nos escasseia
Então vivo com pressa de amar
Antes que me leve o mar,sepulte-me a areia.

Já (que) nasci
Quero viver
Sem medo de sonhar
Sem vergonha de querer.

Já (que) nasci e viva ando
Quero a vida toda que sei que existe
Sigo adiante vivendo e amando
Porque viver sem amar é tão triste…

(Sandra Fernandes)

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Amo-te

Acordo para mais um dia. Custa a respirar.

O sol já não brilha como dantes. O horizonte marca-se a cinza.

Já nada faz sentido. Os segundos arrastam-se no relógio. Até o tempo marca passo.

Não te vejo. Somos uma sombra do que fomos. Outrora…

Sempre fomos tão errados um para o outro. Água e azeite.

Mas fazes parte de mim. Como o Sol e a Lua, jogando às escondidas.

Talvez por isso, já não falamos. Já mal olhamos um para o outro

Como o Sol e a Lua somos eclipse. E mesmo assim…

És o meu mundo. Sem ti, nada funciona.

Os dias arrastam-se. Não vejo, Não ouço. Não sinto o gosto da vida.

Falta-me o equilibrio. Falta-me o ar. Faltam-me as palavras.

Falta-me a coragem para te abraçar, com medo que me rejeites.

E mesmo assim… amo-te.

Ricardo Vercesi

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Sinal

Apetece-me escrever... não sei se há amanhã
mas mesmo se houver é de hoje este respirar
o trabalho feito, o cansaço, o Sol, o anoitecer
nada volta a ser igual

Em cada manhã inicio-me
e não sei se ainda irei esperar o teu sinal.
se o fizeres como hoje o esperava
pode já ser fora do tempo que te dou...

e assim à cautela escrevo hoje
depois não digas que o Universo não te avisou.

Maria José Lascas Fernandes

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Dentro do poema

sento-me aqui
à sombra desta miragem
a acariciar as letras do teu nome
a revolver as palavras
que a insónia me sussurra
enquanto a tua imagem desliza
abrindo vagarosos trilhos
por entre o marulhar das águas
na dormência da memória

é apenas um solitário jogo
que a imaginação tece
um segredo de tinta coada
a expurgar da brancura da folha
a inércia da tua ausência
a rasurada esperança
de que um simples verso te anuncie
ou traga de novo
a luz que o verão esgotou

gestos que vou ensaiando
com o aparo persistente da lapiseira
até sucumbir à febre do desejo
e sílaba a sílaba
reconstruir o néctar do teu rosto
até que o papel se incendeie
aveludado e liso
como um espelho iluminado
e só o reflexo do amor caiba
dentro do poema

(Runa, ...seguindo o escoar do tempo)

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Eternamente a respirar

Nem todos os jacarandás
rebentaram em Maio
mas tu cumpriste
o ritmo das estações
contra o tempo que faz

vestiste-te de púrpura
com cheiro a hortelã
sentaste-te no meu silêncio preferido
dedos esguios em flor
a crescerem nas teclas do piano

Nem todos os jacarandás
rebentaram em Maio
porque não existem horas para amar

porque é possível pintar
uma flor com a boca
na tua boca

e ficar assim
eternamente a respirar

"Eufrázio Filipe"

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Mar

Na melancolia de teus olhos
Eu sinto a noite se inclinar
E ouço as cantigas antigas
Do mar.

Nos frios espaços de teus braços
Eu me perco em carícias de água
E durmo escutando em vão
o silêncio.

E anseio em teu misterioso seio
Na atonia das ondas redondas
Náufrago entregue ao fluxo forte
Da morte.

(Vinícius de Moraes)

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Não choro...


A dor não me pertence.

Vive fora de mim, na natureza,
livre como a electricidade.

Carrega os ceus de sombra,
entra nas plantas,
desfaz as flores...

Corre nas veias do ar,
atrai os abismos,
curva os pinheiros...

E em certos momentos de penumbra
iguala-me à paisagem,
Surge nos meus olhos
presa a um passaro a morrer
no céu indiferente.

Mas não choro. Não vale a pena!
A dor não é humana.


José Gomes Ferreira

terça-feira, 23 de abril de 2013

Onde vais?...

A chuva que cai no meu rosto
Esconde o choro do meu sentimento
O desgosto, de te ver partir,
O amor, de te ver renascer cá dentro...

Partiu o teu coração...
Mas ficou dentro de mim o teu olhar...
Ave que me escapou da mão,
Saudade que em mim veio pousar...

Onde vais tu??? meu amor...
Para onde te leva o vento,
Esse mal feitor avarento...
Que vive bem com a minha dor...

Sei que vais, mas que olhas para trás,
Que comigo deixas parte de ti,
Guardá-la-ei até ao dia em que for capaz...
Ou então saberás que morri...

Cristiano Silva

sexta-feira, 12 de abril de 2013

O Amor, Meu Amor

Nosso amor é impuro
como impura é a luz e a água
e tudo quanto nasce
e vive além do tempo.

Minhas pernas são água,
as tuas são luz
e dão a volta ao universo
quando se enlaçam
até se tornarem deserto e escuro.
E eu sofro de te abraçar
depois de te abraçar para não sofrer.

E toco-te
para deixares de ter corpo
e o meu corpo nasce
quando se extingue no teu.

E respiro em ti
para me sufocar
e espreito em tua claridade
para me cegar,
meu Sol vertido em Lua,
minha noite alvorecida.

Tu me bebes
e eu me converto na tua sede.
Meus lábios mordem,
meus dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda mais despida.

Pudesse eu ser tu
E em tua saudade ser a minha própria espera.

Mas eu deito-me em teu leito
Quando apenas queria dormir em ti.

E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu.

E levito, voo de semente,
para em mim mesmo te plantar
menos que flor: simples perfume,
lembrança de pétala sem chão onde tombar.

Teus olhos inundando os meus
e a minha vida, já sem leito,
vai galgando margens
até tudo ser mar.
Esse mar que só há depois do mar.

Mia Couto, in "idades cidades divindades"

quarta-feira, 10 de abril de 2013

À Beira de Água

Estive sempre sentado nesta pedra
escutando, por assim dizer, o silêncio.
Ou no lago cair um fiozinho de água.
O lago é o tanque daquela idade
em que não tinha o coração
magoado. (Porque o amor, perdoa dizê-lo,
dói tanto! Todo o amor. Até o nosso,
tão feito de privação.) Estou onde
sempre estive: à beira de ser água.
Envelhecendo no rumor da bica
por onde corre apenas o silêncio.

(Eugénio de Andrade, Os Sulcos da Sede)

terça-feira, 9 de abril de 2013

Tristeza

Pedaços de água no olhar...
De sonhos desfeitos em nada
Cabelos em desalinho
Onde brilham em torvelinho,
Pérolas de pranto ao luar....


Olhos tristes de quem sofreu
Na vida, tormentos mil
Silêncios a quem doeu,
Um amor que já morreu,
Ainda por começar...


Embalada nos braços fortes
De uma recordação,
Vai tropeçando em pedaços
Vazios de um coração...


Sonha, menina triste,
Limpa as lágrimas, sorri
Também eu vivi morrendo
E morri, vivendo em ti....

(Maria Célia Silva)

terça-feira, 2 de abril de 2013

Foi com grande tristeza que tomei conhecimento, hoje, do falecimento da minha Professora e grande Amiga, a Irmã Maria do Rosário Ferreira da Costa. Uma grande MULHER que fez um trabalho notável com crianças e adultos, em Lichinga, Moçambique. Tive o enorme prazer de a visitar e ver, no local, o fruto do trabalho realizado: "O cantinho da solidariedade" e a "Escolinha D. Luís Gonzaga"...
A Maria do Rosário não está longe, está apenas do outro lado do caminho... e no coração de todos os que tiveram o privilégio de a conhecer.
Este poema é-lhe dedicado com toda a minha ternura, carinho e amor...



A morte

A morte não é nada.
Eu somente passei
para o outro lado do Caminho.

Eu sou eu, vocês são vocês.
O que eu era para vocês,
eu continuarei sendo.

Me dêem o nome
que vocês sempre me deram,
falem comigo
como vocês sempre fizeram.

Vocês continuam vivendo
no mundo das criaturas,
eu estou vivendo
no mundo do Criador.

Não utilizem um tom solene
ou triste, continuem a rir
daquilo que nos fazia rir juntos.

Rezem, sorriam, pensem em mim.
Rezem por mim.

Que meu nome seja pronunciado
como sempre foi,
sem ênfase de nenhum tipo.
Sem nenhum traço de sombra
ou tristeza.

A vida significa tudo
o que ela sempre significou,
o fio não foi cortado.
Porque eu estaria fora
de seus pensamentos,
agora que estou apenas fora
de suas vistas?

Eu não estou longe,
apenas estou
do outro lado do Caminho...

Você que aí ficou, siga em frente,
a vida continua, linda e bela
como sempre foi.

Santo Agostinho

quarta-feira, 27 de março de 2013

NAVEGANDO NA TUA MEMÓRIA

Deixei as certezas na praia
Quando a última onda te levou

E as gaivotas choraram a perda.

Em cada grão de areia
Uma estrela te acolheu
No sal que deixaste preso a mim.

Foste a maré que me trouxe aqui

A saudade de quem parte para a tempestade.

Foste a minha plenitude, a minha verdade.

As marés não pararam o seu balanço.

As gaivotas continuam à tua procura

Na espuma de cada onda que beija a costa.

E eu fico sentado, ali, chorando cada lágrima

Como se mais uma memória tua me sorrisse

E me banhasse na nossa história.

Por fim viajo em mais uma fase da Lua

Regressando sempre ao mesmo lugar

Esta saudade minha e tua será sempre nossa

Seremos sempre nós a navegar.

Ricardo Vercesi

quinta-feira, 21 de março de 2013

A Flor que és


A flor que és,
não a que possa comprar,
te venho oferecer.
Porque não tem preço
o que te ofereço.
E se me debruço a colher a pétala,
a terra inteira em teus dedos se desfolha.
E se a mais pura flor para ti desenho
a inteira pétala no nada se despenha.
Porque és a sombra do sonho em que anoiteço.
Morrer é ter terra finita.
E eu tenho a febre da inatingível margem.
Por isso encho de mar o teu olhar.

Mia Couto

terça-feira, 19 de março de 2013

VIAGEM NO VENTO

O vento sopra forte no meu rosto
Que sensação fantástica que tenho!
Sinto-me livre como o sol já posto,
dona de toda a arte e todo o engenho!

Parto com o vento pelo sonho fora,
conquisto terra, ganho mar e céu...
Liberto-me do aqui e do agora...
Fujo de mim para poder ser eu!

E o vento, que me beija e me possui
mostra-me o paraíso que lhe peço,
para que eu nunca esqueça que já fui
aquilo que não quero nem mereço...

Vento morno e veloz, que me conduz
onde mora a essência do que sou,
deixa-me acreditar que ainda há luz
nas trevas a que Deus me condenou.

Helena Rocha, in Beijos e Sorrisos

quarta-feira, 13 de março de 2013

ABRAÇO O TEU SILENCIO

Oiço um novo ritmo
no meu coração
...quebro a promessa.

Sinto o sangue quente
a ultrapassar qualquer limite.

Encontro-me infinitamente
a olhar o azul do céu,
a cheirar um rosa vermelha
e a sorrir.

Sinto-me a planar
no significado
das tuas palavras
...uma a uma...
declamadas num livro teu.

Sinto a intensidade
do teu beijo
...letra a letra.

Abraço o teu silêncio
e sonho
um dia encontrar o teu olhar.

Vanda Paz, in Brisas do Mar