sexta-feira, 31 de maio de 2013

Dentro do poema

sento-me aqui
à sombra desta miragem
a acariciar as letras do teu nome
a revolver as palavras
que a insónia me sussurra
enquanto a tua imagem desliza
abrindo vagarosos trilhos
por entre o marulhar das águas
na dormência da memória

é apenas um solitário jogo
que a imaginação tece
um segredo de tinta coada
a expurgar da brancura da folha
a inércia da tua ausência
a rasurada esperança
de que um simples verso te anuncie
ou traga de novo
a luz que o verão esgotou

gestos que vou ensaiando
com o aparo persistente da lapiseira
até sucumbir à febre do desejo
e sílaba a sílaba
reconstruir o néctar do teu rosto
até que o papel se incendeie
aveludado e liso
como um espelho iluminado
e só o reflexo do amor caiba
dentro do poema

(Runa, ...seguindo o escoar do tempo)

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Eternamente a respirar

Nem todos os jacarandás
rebentaram em Maio
mas tu cumpriste
o ritmo das estações
contra o tempo que faz

vestiste-te de púrpura
com cheiro a hortelã
sentaste-te no meu silêncio preferido
dedos esguios em flor
a crescerem nas teclas do piano

Nem todos os jacarandás
rebentaram em Maio
porque não existem horas para amar

porque é possível pintar
uma flor com a boca
na tua boca

e ficar assim
eternamente a respirar

"Eufrázio Filipe"

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Mar

Na melancolia de teus olhos
Eu sinto a noite se inclinar
E ouço as cantigas antigas
Do mar.

Nos frios espaços de teus braços
Eu me perco em carícias de água
E durmo escutando em vão
o silêncio.

E anseio em teu misterioso seio
Na atonia das ondas redondas
Náufrago entregue ao fluxo forte
Da morte.

(Vinícius de Moraes)

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Não choro...


A dor não me pertence.

Vive fora de mim, na natureza,
livre como a electricidade.

Carrega os ceus de sombra,
entra nas plantas,
desfaz as flores...

Corre nas veias do ar,
atrai os abismos,
curva os pinheiros...

E em certos momentos de penumbra
iguala-me à paisagem,
Surge nos meus olhos
presa a um passaro a morrer
no céu indiferente.

Mas não choro. Não vale a pena!
A dor não é humana.


José Gomes Ferreira