sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Espelhado no mar

Ao lusco-fusco do dia, que se despede
Apraz-me escutar-te, beleza melódica do mar.
Viagem sem tempo, as tuas continuadas vagas
Sempre outras, sempre novas
Hipnotizam-me, na sua falsa monotonia.
Extasiado, alcanço-te apenas com a imaginação
Sentindo nas tuas cadências de espuma brilhante,
A chegada mágica do teu errar, a ir e a voltar.
Espectador e só, continuo a buscar
Continuo a escutar e a esperar.
Mas tu afastas-me de mim,
Afastas-me tanto,
Que deixo de me ver e sentir,
Actor de teatro, no mundo e na vida.
Magia benfazeja,
Fazes crescer o meu eu,
Que se busca e escuta e espera,
Até ter um infinito enorme, sem tamanho.
E, então, por artes mágicas só de ti sabidas
Trazes-me à superfície o nada e o sublime.
E de mim para mim, então eu penso
Vais ainda por cá ficar e andar.

Miguel Almeida, in Ser Como Tu

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Epígrafe


Murmúrio de água na clepsidra gotejante,
Lentas gotas de som no relógio da torre,
Fio de areia na ampulheta vigilante,
Leve sombra azulando a pedra do quadrante,
Assim se escoa a hora, assim se vive e morre...

Homem, que fazes tu? Para quê tanta lida,
Tão doidas ambições, tanto ódio e tanta ameaça?
Procuremos somente a beleza, que a vida
É um punhado infantil de areia ressequida,
Um som de água ou de bronze e uma sombra que passa...

(Eugénio de Andrade)