quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Eterno Apaixonado

A vulgar expressão
Esconde o enigma dos sentimentos
Que o sorriso aproxima
No acto sem noção
Num misto de alegria e estima
Que erguem os sóbrios momentos.
O frio arrefece
O circuito da razão,
Melhora e aquece
O poder da união.
Desejo comunicar
Caminho para amar
Janela aberta, à imaginação.
Fogo cruzado
Hino dos sábios
A ser música, é Fado.
Bela, é a divina relação
Que o olhar pode ver
Sem a felicidade desaparecer.

(Paulo Afonso)

terça-feira, 27 de outubro de 2009

DIFERENÇAS?!..

Qando se manifesta indiferença
por toda e qualquer diferença,
isso é discriminação...
Quando claramente se mostra crueza
com rudes atitudes de frieza,
isso já é marginalização...
Só porque um é negro
e o outro branco,
só porque um é negro
e o outro amarelo,
para discriminar não há razão!
A maior valia está no respectivo coração.
Quando o coração é franco,
quando a sua interioridade
faz jus à sua dignidade,
quando é diáfana a sua essência
quando há paz na sua consciência,
quando luta pela concórdia, pela harmonia,
pela simetria
e no seu coração
há misericórdia,
não é a cor da pele que o classifica
mas sim a atitude que o identifica...
E não é só quanto ao racismo
que a vileza se insurge.
A irreverência logo surge
para revelar inconformismo
perante toda e qualquer diferença!
Diferenças físicas ou intelectuais,
diferenças de crenças ou de ideais...
Tudo que seja diferente é para discriminar!
Separam-se os 'diferentes' como pacotes,
para se fazerem lotes,
com os labéus inerentes!...
É mais difícil ajudar do que marginalizar!...
Será a humanidade que se adapta à sociedade,
ou a sociedade que avilta a humanidade?
Onde está a igualdade?
Onde está a fraternidade?
Onde está a porção divina que o Homem contem?
Onde estará o padrão de igualdade,
o dom da generosidade que o Homem já não detém?!...
Resta-nos ADVERTIR os INDIFERENTES.
AJUDAR A PROGREDIR
os que são 'DIFERENTES'!...

(Helena Bandeira)

domingo, 25 de outubro de 2009



Louvado seja o Génio da Noite

Lenta declina a luz e a noite vai
Entrando azul no tardo entardecer.
Vaga e intérmina uma folha cai;
Subtil suspira um deus nesse descer.

De uma névoa lilás a lua sai
E quebra-se no mar sem se mover.
Sons e cores, vibrações, tudo se esvai
Num lânguido desejo de morrer.
Castidade da noite absoluta,
Num galho imaterial um silfo escuta
O segredo das flores que estão sonhando.
Êxtase. A eternidade passa perto.
Gotejam astros. O mundo está deserto.
Só eu existo, fantástica....esperando....

(Natália Correia)

sábado, 24 de outubro de 2009


Passemos, tu e eu, devagarinho

Passemos, tu e eu, devagarinho,
Sem ruído, sem quase movimento,
Tão mansos que a poeira do caminho
A pisemos sem dor e sem tormento.

Que os nossos corações, num torvelinho
De folhas arrastadas pelo vento,
Saibam beber o precioso vinho,
A rara embriaguez deste momento.

E se a tarde vier, deixá-la vir
E se a noite quiser, pode cobrir
Triunfalmente o céu de nuvens calmas

De costas para o Sol, então veremos
Fundir-se as duas sombras que tivemos
Numa só sombra, como as nossas almas.

(Reinaldo Ferreira)

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Voam-me das mãos as palavras
Que o peito semeia em duras lavras
Breves são esses momentos de colheita
Em que as sementes se tornam frutos
E a vida se cria
Outra voz, outro ser, outras chamas
Queimam o silêncio
Sedentos de poesia

(João Sevivas)

quinta-feira, 22 de outubro de 2009


Crianças sem rosto

Quantas crianças no mundo esperam
Pelo pão da esperança,
Estendendo as mãos
À desbasta miséria, esperando
Apenas dela a sua sobrevivência.
Quantas são aquelas, que
Morrem sem conhecerem
Os horizontes ofuscantes da vida?
Tristes daqueles que nascem
Do ventre da desgraça que
Tanta pobreza lhes é oferecida.
Que liberdade é a nossa?
Que deixa a morte escrever
Na miséria os nomes dos pobres.

(Conceição Bernardino)

quarta-feira, 21 de outubro de 2009


O silêncio

Pego num pedaço de silêncio. Parto-o ao meio,
e vejo saírem de dentro dele as palavras que
ficaram por dizer. Umas, meto-as num frasco
com o álcool da memória, para que se
transformem num licor de remorso; outras,
guardo-as na cabeça para as dizer, um dia,
a quem me perguntar o que significam.
Mas o silêncio de onde as palavras saíram
volta a espalhar-se sobre elas. Bebo o licor
do remorso; e tiro da cabeça as outras palavras
que lá ficaram, até o ruído desaparecer, e só
o silêncio ficar, inteiro, sem nada por dentro.

(Nuno Júdice, in A Matéria do Poema)

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Para ti

Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só olhar
amando de uma só vida.

(Mia Couto, in Raiz de Orvalho e Outros Poemas)

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

junto pedaços de mim

ando por aqui a juntar pedaços de mim
nuvens coçadas que se movem desencontradas
folhas tobam das árvores chorando devagarinho
há dias e noites em que nada acontece nada há
apenas murmúrios insidiosos de vozes ausentes
o meu corpo apenas um braço áspero de sal
ando por aqui a juntar pedaços de mim
silêncios magoados de passados amarrotados
um mundo de injusta tristeza de meninos
barcos à deriva na crista selvagem das ondas
nesta embriaguez de sentimentos que me assolam
onde me perco tantas vezes sendo outra coisa
o meu eu decalcado vezes sem conta
se ao menos o mar se prolongasse dentro de mim
não quero ser barco sujo no significados das palavras
ando por aqui a juntar pedaços de mim
um vazio atravancado de pessoas e vidas
teclas brancas e negras de um piano autero
composições ausentes de formas lúcidas
condenado à ausência da normalidade
vagueio marginal atolado em todas as dores
gritos agudos que me ferem de revolta
ando por aqui a juntar pedaços de mim

(António Paiva)

domingo, 18 de outubro de 2009

Este sol de ouro-novo nos meus olhos
tão frios dantes de gelarem nuvens
- não serás tu dentro de mim
a espreitar em labareda para a vida?

E esta cidade a arder sonâmbula
que trago por ti no coração
onde dantes só cabia o universo
- não serás tu no espelho de outra voz
a escutar a própria primavera?

E não serás tu também a bruma viva
que se esfarrapou nos dedos destas mãos
onde o espanto de espuma se fez corpo?

E ouve, ouve...

Este meu voar de ternura,
estas aves nos pés,
este querer beijar-te, não em ti apenas,
mas nas pedras, nas silvas, na poeira
e no vento das mil bocas de fantasmas
- não serás tu ainda, sempre tu,
na tua ira dum amor de excesso,
a amar por mim em ti
escondida por dentro dos meus olhos?

(José Gomes Ferreira, in Poesia IV)

sábado, 17 de outubro de 2009


De mansinho

Cheguei até ti de mansinho,
Como quem timidamente
Encontra a outra margem do seu rio,
Após uma longa caminhada.
Porque vi a tua mão estendida,
Uns olhos que me afagaram,
Que me fizeram sentir a vida,
Que vazia de sentido,
Já quase por si não dava.

De mansinho,
Abri as janelas de minha emoção,
Para me sentir mais viva,
Escancarei as portas do meu coração,
De forma não contida,
E, ganhei o mundo num instante,
Porque caminho agora,
Sempre de uma à outra margem
Em que me espraio,
No tempo e no espaço
Apenas porque já vou contigo...

(Beatriz Barroso)

quarta-feira, 14 de outubro de 2009


Guardo

Guardo uma lágrima
dentro do meu peito,
a última
que caiu.
Guardo-a
para não esquecer
o que sofri.
Para não esquecer
o que por ti
senti.
Guardo uma lágrima
dentro do meu peito,
que se multiplica
e corre
como um rio
num leito esquecido.
À procura
de um mar
para poder descansar.

(Vanda Paz)

domingo, 11 de outubro de 2009

A Cidade

A cidade é um chão de palavras pisadas
a palavra criança a palavra segredo.
A cidade é um céu de palavras paradas
a palavra distância e a palavra medo.

A cidade é um saco um pulmão que respira
pela palavra água pela palavra brisa
A cidade é um poro um corpo que transpira
pela palavra sangue pela palavra ira.

A cidade tem praças de palavras abertas
como estátuas mandadas apear.
A cidade tem ruas de palavras desertas
como jardins mandados arrancar.

A palavra sarcasmo é uma rosa rubra.
A palavra silêncio é uma rosa chá.
Não há céu de palavras que a cidade não cubra
não há rua de sons que a palavra não corra
à procura da sombra de uma luz que não há.

(Ary dos Santos)

sábado, 10 de outubro de 2009


Poema de Amizade

Se eu fosse uma nuvem,
Branca,
Leve,
Iria com o vento,
Para junto de tua janela,
Para te convidar a um passeio,
Para te levar a um sítio belo,
Para veres o mar e sentires o seu cheiro,
Para veres os campos cobertos de verde,
E de flores lindas com muitas cores.
Se eu fosse nuvem,
Ensinar-te-ia a voar,
E a sentires a vida de outra forma,
Como aquelas aves migratórias,
Que buscam um lugar para viver,
Que partem rumo à aventura e ao sonho,
Apenas para se sentirem felizes,
Para poderem sobreviver.
Se fosse nuvem,
Eu me regozijaria por te mostrar,
Tanta coisa bonita,
Que fico com muita pena,
Por não me poder transformar.
Por ter que penar por te ver,
Vestida de alma às vezes sofrida,
Sem daqui nada poder fazer,
Senão dizer-te que sou tua Amiga.

(Beatriz Barroso)

sexta-feira, 9 de outubro de 2009


Sorri meu Amigo

Sorri,
Sorri sempre, mesmo que o teu sorriso seja triste,
A vida é bela demais para que escondas o sorriso nos teus lábios...
E como é belo...
Sorri,
Ama a vida, aproveita tudo o que Deus te deu...
Vive o sonho,
Guia os teus passos,
A felicidade está nas pequenas coisas...
No amor de uma criança,
No nascer do sol,
No voo de uma ave,
No barulho de um riacho descendo uma montanha
Por entre as pedras...
O orvalho nas pétalas de uma rosa pela manhã...
Coisas simples, grandes emoções...
Sorri,
Procura ser feliz, não procures a felicidade nos outros...
Ela está dentro de ti...
Sente o bater do teu coração,
Sente a chuva a bater no teu rosto,
Sente a brisa fresca da manhã...
Olha o mundo... contempla a vida,
Sorri meu amigo...

(Luís Ferreira)

segunda-feira, 5 de outubro de 2009


Eu sei e você sabe
Já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe
Que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos
Me encaminham a você.

Assim como o Oceano, só é belo com o luar
Assim como a Canção, só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem, só acontece se chover
Assim como o poeta, só é bem grande se sofrer
Assim como viver sem ter amor, não é viver
Não há você sem mim
E eu não existo sem você!

(Vinicius de Moraes)

domingo, 4 de outubro de 2009




A Vigília do Pescador

(Esta poesia dedico-a a meu pai, pescador de profissão, a quem devo tudo o que sou... )

Na praia o vulto do pescador
É mais denso que a noite...

E enquanto espera
A sua ânsia solidifica em concha
E sonoriza os ventos livres do mar

E enquanto espera
A sua ânsia descobre
os passos da maré na praia
e o sono de borco das canoas.

É manhã
e o pescador ainda espera

e enquanto o mar
Não lhe devolve o seu corpo de sonhos
Num lençol branco de escamas

Um torpor de baixa-mar
Denuncia algas nos seus ombros.

(Arnaldo Santos, in Poemas no Tempo)