Protesto contra a lentidão das fontes
Vazaram-se as luas da savana
ossadas pálidas emigraram
dos corpos para o chão
ajoelharam-se os bois
exaustos de carregarem o sol
.
Escureceram as horas
nomeadas pela fome
extinguiu-se o sangue da terra
esvaiu-se o leite
num coágulo de saudade
Restam troncos
sustentos gemidos
mães oblíquas sonhando migalhas
mendigando crenças
para salvar os filhos já quase terrestres
Quem protege estes meninos
feitos da chuva que não veio?
Que casa lhes havemos de dar?
Amanhã
quando se entornarem os cântaros do céu
as aves voltarão a roçar a lua
e as cigarras de novo espalharão o canto
Mas dos meninos
talhados a golpe de poeira
quantos restarão
para saudar o amanhecer dos frutos?
(Mia Couto, in Raiz de Orvalho e Outros Poemas)
Onde as palavras dos outros se reunem às nossas num espaço de silêncio e reflexão