quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Sou como se fosse...

Iniciei um conto como se fosse o prólogo,
Vesti traje de gala como se fosse um pajem,
Provei do vinho bom como se fosse enólogo,
Tratei do exterior como se fosse imagem.

Cantei a serenata como se fosse amante,
segui a lei da vida como se fosse tudo,
Passei por um deserto como se fosse errante,
joguei aos carnavais como se fosse entrudo.

Desfiz nós apertados como se fosse esperto,
Calei histórias tristes como se fosse púdico,
Contei a nossa vida como se fosse aberto,
Gozei as coisas simples como se fosse lúdico.

Fiz contas de somar como se fosse pouco,
Comi o pão do dia como se fosse pobre,
Amei perdidamente como se fosse louco,
Lutei por boas causas como se fosse nobre.

Pintei-me de palhaço como se fosse alegre,
Forrei-me de veludo como se fosse gente,
Fugi da multidão como se fosse lebre,
Beijei os pequeninos como se fosse quente.

Impus-me um ar altivo como se fosse o Rei,
Desfiz-me em pedacinhos como se fosse um caco,
Impus minha balança como se fosse a lei,
Perdi-me no caminho como se fosse um saco.

E agora
aos sessenta e tal?
Afinal
o que fui?
O que sou?
Para onde vou?

Não sei o que fui.
Não sei onde vou.
Mas sei o que sou.

Um pouco de ti,
Um pouco de mim,
Um pouco do outro
que por mim passou.

(Manuel Paulo, in Ponto Final)

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