sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Sophia
Houve um tempo de heróis, lágrimas e espera,
um tempo de punhais
na noite mais incerta;
houve um tempo de dor,
uma oscilação da alma.

Houve um tempo em que a tua voz se cingiu
à coroa das espadas;
um tempo de sal depositado nos teus lábios;
houve um tempo de cantos, ondas e de estrelas
na branca manhã que o sono nos revela.

E houve um tempo de poemas,
um tempo de palavras,
um tempo (já esquecido)
de música e de festa.

Quem ousará dizer
que os teus heróis regressam,
quem poderá jurar que do amor reaparecem,
ao vento, os perfis das coisas que ele nos deu?

(António Mega Ferreira)
Invento-me

Invento-me neste desejo de te abraçar...

Invento-me hera, planta trepadeira,
agarro minhas gavinhas,
minhas expansões, com força,
em tuas estacas, para me poder à terra fixar...

Invento-me abelha, insecto,
Apenas para invadir a tua flor,
Que nasceu de meu desejo,
Para em teu mel, esse néctar,
a minha sede eu poder saciar ....

Invento-me leoa perdida de seu cio,
À procura de um trilho, um sinal, rasto teu,
Para que na floresta da vida,
Eu te possa encontrar...

Invento-me vento, Nortada, brisa, aragem,
Para de forma empolgada,
Agitar teu rio, ondular teu mar...

Invento-me, nestas todas metamorfoses
de ser eu própria, que trago silenciadas no meu espírito,
E ensaio-me assim, neste ser,
Nestas mil formas adoptadas,
Só porque te encontro ao inventar-me,
Mas porque te invento somente a ti!

(Beatriz Barroso)

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Um pedaço de céu

Tu, a que eu amo nesta manhã
que trouxe a tua imagem com ruídos
da rua, vai até à janela,
levanta as persianas do quarto, e olha
o céu como se ele fosse
um espelho. Diz-me, então,
o que vês? As nuvens que passam
pelos teus olhos? Um azul cuja
sombra te desenha o contorno
das pálpebras? A mancha rosa do nascente
que o horizonte roubou ao
teu rosto? Mas não te demores. Um espelho
não se pode olhar muito tempo; e
o céu da manhã é dos que mudam com
as variações da alma. Pode ser que o céu
roube um sorriso aos teus lábios: e
mo traga, para que eu o ponha neste poema,
onde te vejo, um instante, enquanto
a manhã não acaba.

(Mia Couto)

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Amor calado (Vida)

Vivo no silêncio,
a chama deste amor,
amor calado!
Vivo este amor,
com o coração
cheio de paixão.
de angústia,
de sonhos.
Como um pássaro,
voo alto
não sabendo
para onde vai
este amor,
amor calado!
Desço à terra
paro e penso
neste amor intenso:
vejo-a vestida de amor,
linda e elegante,
sorrindo,
por este amor calado
cheio de palavras
de gestos e afectos...

(José Manuel Brazão)

sábado, 13 de fevereiro de 2010

as cartas

escrevi as cartas.
invisíveis sentidos. fúteis. esquecidos.
não sei se, o bater do silêncio terá fim.
ou porque ainda te escrevo.

doem-me as mãos te tanto te escrever.
e de todos os dias te ver nos meus dias.

escrevi as cartas.
não as recebeste, bem sei.
mas enquanto o bater do silêncio não acabar,
sei apenas que todos os dias te escrevo,
para me doerem as mãos.

porque todos os dias eu sei,
que vou apenas escrevendo,
para ninguém…

E há um beijo frio, que me envolve.
No Mar, uma brisa cresce,
E dentro de mim,
O teu sorriso, desce,
Para eu morrer, lentamente algures no teu rosto.

E depois as palavras que me ensinaste.
São as que só sei escrever,
E que encontram dentro de mim o sonho…

(Pedro Lucas)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

GAIVOTAS

O mar rebelde e o céu de cor cinza,
Convidam a imaginação a navegar...
Fazer descobertas de segredos,
Num grande e infinito olhar...
Na extensão de areia molhada,
Vêem-se as gaivotas a planar,
Formando quase um exército,
E viradas de costas para o mar!
Pareciam um manto branco,
Pousado numa imensidão...
Se sentiam algum barulho,
Voavam em turbilhão!
O mar revolto contra o paredão,
Como uma sonora e melodiosa canção,
A espuma do mar arremessada pelo vento,
Deixava livre e solto qualquer pensamento.

(Cecília Macedo)

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Beijo-te

Na valsa da vida absorvo as cores das flores,
das estrelícias, das rosas, das orquídeas.
Misturo-as nos sentimentos que trago
e tento reencontrar as cores do sorriso.
Junto o canto dos pássaros nas minhas mãos
e componho a melodia do meu silêncio.
Danço com o sol por cima de um manto de neve
e afundo-me em sonhos guardados em blocos de gelo.
Vejo-te num deles... com o amor que trago no olhar
o gelo derrete e tu vens até mim.
Sussurras-me as cores do desejo.
Entregas-me a melodia da nossa locura... na minha mão.
Percorro o meu corpo em palavras quentes.
Entrego-te o calor da minha voz.
E sempre que a memória me traz os teus lábios... beijo-te

(Vanda Paz, in Brisas do Mar)

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Plano

Trabalho o poema sobre uma hipótese: o amor
que se despeja no copo da vida, até meio, como se
o pudéssemos beber de um trago. No fundo,
como o vinho turvo, deixa um gosto amargo na
boca. Pergunto onde está a transparência do
vidro, a pureza do líquido inicial, a energia
de quem procura esvaziar a garrafa; e a resposta
são estes cacos que nos cortam as mãos, a mesa
da alma suja de restos, palavras espalhadas
num cansaço de sentidos. Volto, então, à primeira
hipótese. O amor. Mas sem o gastar de uma vez,
esperando que o tempo encha o copo até cima,
para que o possa erguer à luz do teu corpo
e veja, através dele, o teu rosto inteiro.

(Nuno Júdice)

sábado, 6 de fevereiro de 2010

De mão em mão

Se te sentires perdido numa noite assim
Em que as estrelas se misturam pelo chão
Com o vento e a poeira
As lembranças e os cansaços
Que te fazem procurar o teu lugar

Se te sentires perdido numa noite assim
À deriva pelo meio da multidão
Sem saber qual é o caminho certo
E o momento de parar
E ouvir a voz do teu coração

Pode ser que encontres no olhar de alguém
O teu mundo perdido
A cor do teu céu
Uma chama que a lua faz dançar no escuro
Um desejo escondido
E o que ficou nos teus sentidos
de alguma canção

Na rua há um silêncio colado à pele
A noite acende o mundo no teu peito
E vais talvez mais dentro
E mais longe do que nunca
Pra tentar tocar o fundo com as mãos

Pode ser que encontres no olhar de alguém
O teu mundo perdido
A cor do teu céu
Uma chama que a lua faz dançar no escuro
Um desejo escondido
E o que ficou nos teus sentidos
de alguma canção

Enquanto te confundes
Nos gestos loucos da multidão
Enquanto sopra um fogo distante
Que cresce de mão em mão

(Mafalda Veiga)
E de novo a armadilha dos abraços

E de novo a armadilha dos abraços.
E de novo o enredo das delícias.
O rouco da garganta, os pés descalços
a pele alucinada de carícias.
As preces, os segredos, as risadas
no altar esplendoroso das ofertas.
De novo beijo a beijo as madrugadas
de novo seio a seio as descobertas.
Alcandorada no teu corpo imenso
teço um colar de gritos e silêncios
a ecoar no som dos precipícios.
E tudo o que me dás eu te devolvo.
E fazemos de novo, sempre novo
o amor total dos deuses e dos bichos.

(Rosa Lobato de Faria)

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Porque o coração quer ir contra a razão

Tenho presa a minha vontade
nessa teia surpresa
dos dias esquecidos
tenho um coração
dilacerado
que no cansaço das noites
adormece nas lágrimas
dos meus sentimentos perdidos...
Rasgo a emoção
que escrevo na folha da minha vida
rasgo-a... em silêncio.
(Só eu sei desse sofrimento.)

Porqe o coração quer ir contra a razão
se o meu vazio
é preenchido pelas ausências
pelas tormentas
que marcam um cravado... Não!
Não vás por aí... diz-me a razão
não fiques, não peças perdão!

Trago no peito
essa pergunta sem resposta
que mata os meus instantes
e apaga qualquer noção
dos meus sonhos
tenho um coração
que me empurra para o devaneio
em que me sobra a razão
que entremeio me diz, Atenção!

Porque o coração quer ir contra a razão?
Porque a razão não quer estar no coração?

Um dia saberei
as respostas que procuro
sábio momento seguro
que agradecerei.

Tenho presa a minha razão
nessa teia da verdade
dos dias que chegarão
bem adentro da minha realidade

E o coração caminhará com a razão
de mãos dadas
num mar de felicidade.

Hoje... já espero por ti!

(Paulo Afonso Ramos)