Espreitava em seus olhos uma lágrima
Espreitava em seus olhos uma lágrima,
e em meus lábios uma frase a perdoar;
falou o orgulho, o seu pranto secou,
senti nos lábios essa frase expirar.
Eu vou por um caminho, ela por outro;
mas, ao pensar no amor que nos prendeu,
digo ainda: porque me calei aquele dia?
E ela dirá: porque não chorei eu?
(Gustavo Adolfo Bécquer)
Onde as palavras dos outros se reunem às nossas num espaço de silêncio e reflexão
sexta-feira, 30 de abril de 2010
terça-feira, 27 de abril de 2010
sábado, 24 de abril de 2010
Coisa amar
Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.
Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.
Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te logamente como doi
desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.
(Manuel Alegre)
Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.
Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.
Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te logamente como doi
desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.
(Manuel Alegre)
sexta-feira, 23 de abril de 2010
Raiz de orvalho
Sou agora menos eu
e os sonhos
que sonhara ter
em outros leitos despertaram
Quem me dera acontecer
essa morte
de que se não morre
e para um outro fruto
me tentar seiva ascendendo
porque perdi a audácia
do meu próprio destino
soltei a ânsia
do meu próprio delírio
e agora sinto
tudo o que os outros sentem
sofro do que eles não sofrem
anoiteço na sua lonjura
e vivendo na vida
que deles desertou
ofereço o mar
que em mim se abre
à viagem mil vezes adiada
De quando em quando
me perco
na procura da raiz do orvalho
e se de mim me desencontro
foi porque de todos os homens
se tornaram todas as coisas
como se todas elas fossem
o eco das mãos
a casa dos gestos
como se todas as coisas
me olhassem
com os olhos de todos os homens
Assim me debruço
na janela do poema
escolho a minha própria neblina
e permito-me ouvir
o leve respirar dos objectos
sepultados em silêncio
e eu invento o que escrevo
escrevendo para me inventar
e tudo me adormece
porque tudo desperta
a secreta voz da infância
Amam-me demasiado
as coisas de que me lembro
e eu entrego-me
como se me furtasse
à sonolenta carícia
desse corpo que faço nascer
dos versos
a que livremente me condeno
(Mia Couto)
Sou agora menos eu
e os sonhos
que sonhara ter
em outros leitos despertaram
Quem me dera acontecer
essa morte
de que se não morre
e para um outro fruto
me tentar seiva ascendendo
porque perdi a audácia
do meu próprio destino
soltei a ânsia
do meu próprio delírio
e agora sinto
tudo o que os outros sentem
sofro do que eles não sofrem
anoiteço na sua lonjura
e vivendo na vida
que deles desertou
ofereço o mar
que em mim se abre
à viagem mil vezes adiada
De quando em quando
me perco
na procura da raiz do orvalho
e se de mim me desencontro
foi porque de todos os homens
se tornaram todas as coisas
como se todas elas fossem
o eco das mãos
a casa dos gestos
como se todas as coisas
me olhassem
com os olhos de todos os homens
Assim me debruço
na janela do poema
escolho a minha própria neblina
e permito-me ouvir
o leve respirar dos objectos
sepultados em silêncio
e eu invento o que escrevo
escrevendo para me inventar
e tudo me adormece
porque tudo desperta
a secreta voz da infância
Amam-me demasiado
as coisas de que me lembro
e eu entrego-me
como se me furtasse
à sonolenta carícia
desse corpo que faço nascer
dos versos
a que livremente me condeno
(Mia Couto)
quinta-feira, 22 de abril de 2010
OUTRA CANÇÃO DIURNA
Abro a janela do amor com as mãos do ocaso,
vendo fechar-se a noite quando entra a madrugada.
E tu sais do sol nscente, como se fosse um acaso,
e deixas no chão um rasto de flores, quase nada.
Luz que atravessa a sombra que o dia leva,
dizes-me o teu nome como se fosse um segredo.
É a tua voz branca e desperta que ao vento se eleva
e desfaz em fumo e nuvem o que antes era medo.
Tens nos olhos a manhã que vai durar,
levas nas mãos o orvalho que não secou.
E há um céu estranho que não passou
pelas palavras que insistem em ficar.
Desta maneira é mármore a pedra mais dura,
e é pele, e linho, e lago, este desejo que perdura.
(Nuno Júdice, in A matéria do poema)
Abro a janela do amor com as mãos do ocaso,
vendo fechar-se a noite quando entra a madrugada.
E tu sais do sol nscente, como se fosse um acaso,
e deixas no chão um rasto de flores, quase nada.
Luz que atravessa a sombra que o dia leva,
dizes-me o teu nome como se fosse um segredo.
É a tua voz branca e desperta que ao vento se eleva
e desfaz em fumo e nuvem o que antes era medo.
Tens nos olhos a manhã que vai durar,
levas nas mãos o orvalho que não secou.
E há um céu estranho que não passou
pelas palavras que insistem em ficar.
Desta maneira é mármore a pedra mais dura,
e é pele, e linho, e lago, este desejo que perdura.
(Nuno Júdice, in A matéria do poema)
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