quarta-feira, 24 de junho de 2009


Outono


Uma lâmina de ar
Atravessando as portas. Um arco,
Um flecha cravada no outono. E a canção
Que fala das pessoas. Do rosto e dos lábios
das pessoas.
E um velho marinheiro, grave, rangendo o
cachimbo como
Uma amarra. À espera do mar, esperando o
silêncio.
É Outono. Uma mulher de botas atravessa-
me a tristeza
Quando saio para a rua, molhado como um
pássaro.
Vêm de muito longe as minhas palavras,
Quem sabe se
Da minha revolta última. Ou do teu nome
que repito.
Hoje há soldados, eléctricos. Uma parede
Cumprimenta o sol. Procura-se viver.
Vive-se, de resto, em todas as ruas, nos
bares e nos cinemas.
Há homens e mulheres que compram o
jornal e amam-se
Como se, de repente, não houvesse mais
nada senão
A imperiosa ordem de (se) amarem.
Há em mim uma ternura desmedida pelas
palavras.
Não há palavras que descrevam a loucura,
o medo, os sentidos.
Não há um nome para a tua ausência. Há
um muro
Que os meus olhos derrubam. Um estranho
vinho
Que a minha boca recusa. É Outono
A pouco e pouco despem-se as palavras.

(Joaquim Pessoa)




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