sábado, 27 de novembro de 2010



Conheci um homem fechado na sua choupana.
As traves eram de vidro. Pelas janelas entravam
os ventos de todos os pontos cardeais. A cozinha
enegrecera com o fumo de antigas refeições.
O homem limpava as paredes com os panos
da cama. As suas mãos tinham a cor da fuligem
e do pó. Pelos olhos vazios escoava-se a luz
dos séculos. Mas o homem, fechado na sua
choupana, não abria a porta a ninguém.
Podiam dizer o seu nome. Podiam pedir-lhe
que saísse, por uma vez, e soubesse que
havia sol. Lá dentro, o homem não sabia
de nada. Esquecera-se do mundo. Fechado na
sua choupana, entre as traves de vidro e
as paredes sem tinta, o homem soletrava
o nome de deus, sem nunca chegar ao fim.

(Nuno Júdice, in "As coisas mais simples")

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