sábado, 9 de maio de 2020

Testamento

Deixo-te o silêncio,
para que saibas ouvir o infinito.
Deixo-te o sorriso,
para que saibas inventar a alegria.
Deixo-te um abraço,
para que saibas sentir a ternura.
Deixo-te o olhar largo e vasto,
para que aprendas a ver além de ti.
Deixo-te palavras por escrever,
para que com elas construas pontes.
Deixo-te a mão aberta, nua,
para que com a sua ajuda subas mais alto.
Deixo-te o silêncio prenhe de burburinho,
para que com ele saibas ouvir o que tem valor.
Deixo-te as palavras que escrevi,
para que delas tires o que valer a pena.

Deixo-te o olhar vago de quem quis ser único,
para que por ele saibas o tamanho da solidariedade.
Deixo-te as palavras que fui alinhando,
para que com elas percebas quem fui.

Deixo-te o pouco e sem valor que escrevi,
para que possas amar as palavras
que constroem o diálogo
e vencem o inconformismo.

Deixo-te em testamento letras dum alfabeto
sem alinhamento ou sequência,
porque é assim que a vida flui,
mesmo quando teimosamente a queremos
alinhada em fileiras de submissão.

Deixo-te o que fui, em tudo o que sou
e se nada tiver valor,
não te esqueças nunca
que te amei!

(Paulo César, in "No Chão D'Água")

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